Aqui vive-se uma constante de alegria e prazer, uma vontade súbita de provar a gastronomia tradicional, a enorme confusão que se estende ao largo da rua, um olhar atento sobre o entretenimento que nos acolhe no meio de uma multidão. Aqui, respira-se a Recriação Histórica de Leiria.
Leiria, Praça Rodrigues Lobo, duas da tarde. Uma leve brisa, com alguma chuva à mistura. Quem passava na rua não ficava indiferente às suas barracas e ao cheiro a pão com chouriço que convidava a espreitar. No seu interior, paira uma combinação histórica, de cultura e lazer. O evento abriu ao público no dia 28 de maio, com a terceira edição da Recriação Histórica.
A Recriação História em Leiria juntou diversas gerações num programa familiar onde o entretenimento e a cultura andaram de mãos dadas. A iniciativa da Câmara Municipal de Leiria, Associação de Folclore da Região de Leiria – Alta Estremadura – e da União de Freguesias de Leiria, Pousos, Barreira e Cortes, contou com a participação de 19 ranchos do concelho, cinco grupos de teatro, duas escolas de dança, uma orquestra de jazz, animais e uma exposição de veículos de época. Para esta terceira edição o tema escolhido foi “1923 – Viagem à Leiria Moderna”.
Denise Manuela, 35 anos, técnica da cultura na Câmara Municipal de Leiria e membro da organização deste evento, recordou: «No ano de 2014 tivemos como tema: “Leiria no final do século XIX, recriando o tempo em que Eça de Queirós foi administrador do concelho de Leiria” e no ano 2015, o tema “Leiria há Cem Anos”.»
No ano corrente, o evento dividiu-se em dois momentos: o primeiro (diurno) à entrada da Praça Rodrigues Lobo, com um atelier onde estiveram representações do trabalho de quatro artistas , e o segundo no Mercado de Sant’Ana (noturno), que teve como entretenimento a presença do cabaré, animado por um grupo de teatro local, onde o público foi brindado com danças, petiscos, música e um filme da época.
«Quisemos primar pela diversão. Assim, as nossas novidades têm como base os espetáculos a apresentar, a decoração do evento e na existência de vários locais, relacionados com o tema», acrescenta Denise Manuela.
Dois dias, um mergulho no passado
«O evento “1923 – Uma Viagem à Leiria Moderna” surge como um momento de alegria e de lembrar um passado longínquo, onde a arte será chamariz para bons momentos em família e com amigos.» conta a técnica da cultura.
Era impossível ficar indiferente aos locais que ali se encontravam. A «Recriação Histórica» concentrou-se numa vasta comunidade de pessoas, histórias e objetos. Novidades e velharias. Amor e criatividade. Foram as palavras do espaço. Dando ênfase ao que é português, os visitantes foram presenteados com o espaço único de dez “mercadores” com produtos escolhidos a dedo. Produtos feitos à mão, únicos, de autor. Não podendo deixar de salientar também a comida: caseira, de rua e outros petiscos que ali se encontravam.
Os três fornos de pão com chouriço abriam-se a cada 10 minutos e faziam as delícias das crianças que lá se juntavam pacientemente. Dezenas de ranchos folclóricos inundaram o centro histórico, uma casa de pasto, que se enchia com um mar de pessoas ao final de cada tarde, e tabernas, contribuindo no esforço de moldar o passado.
Ana Maria Reis, figurante e pasteleira, responsável pela comida que vende na sua barraca, afirmou «Vendo os meus próprios produtos: pastéis de nata, empadas de galinha, bolo de chocolate com recheio de morango, bolachinhas de canela e bolachinhas de chocolate. A agitação nestes dias tem sido imensa mas a experiência fala por si.»
A reprodução fiel da época foi conseguida graças à presença de mil figurantes e oito stands de gastronomia com um registo muito nacional, desde queijos, enchidos, fruta, pão e flores com sabor e cheiro a verão.
Os dois dias vividos em Leiria foram amplamente recebidos por milhares de pessoas. A multidão que se dispersava ao logo do centro histórico da cidade de Leiria, Largo do Papa Paulo VI ao Jardim Luís de Camões, passando pela Fonte Luminosa, Mercado de Sant’Ana, Praça Rodrigues Lobo e Largo 5 de Outubro de 1910, teve por todo o recinto a animação que fez parte do imaginário produzido para esta terceira edição.
Um olhar sobre onze Artesãos
Na manhã de 28, Leiria acordou com pouca agitação. Os últimos retoques estavam a ser feitos. Já se contava com os figurantes na rua, com a abertura das tabernas, os gritos dos ardinas da época a vender os seus jornais.
A figurante/costureira Lucinda Carreira Pinto, 64 anos, descreve: «Somos todos artesãos. Uns por hobbie, outros por personagem e outros de coração». Onze artesãos era o número que se contava na Fonte Luminosa: desde a costureira, sapateiro, vassoureiro, carpinteiro, cesteiro, oleiro, peixeiro, serrador, esteireiro, braceira e o latoeiro.
Cada artesão pertencia ao seu rancho folclórico. Cada um com a sua diferença e exclusividade. O vassoureiro, Sérgio Pereira , 25 anos, proveniente de Coimbra, é pasteleiro e padeiro. Criado no campo, aprendeu esta técnica com os avós. Com imenso orgulho, disse ser o único jovem na sua freguesia ainda a continuar com a técnica de vassoureiro. «Ia sempre com as minhas avós para o mercado, enquanto elas vendiam as vassouras eu ficava a aprender. Faço-o por hobbie e foi por isso mesmo que aceitei estar nesta edição, mostrar às pessoas esta arte que já se perdeu com o longo dos anos», recorda Sérgio.
Uma das profissões mais antigas marcou a sua presença, o sapateiro. Desde o confecionar ou consertar os calçados, esta profissão foi desaparecendo com a evolução do tempo. Rui Ribeiro, 52 anos, exerce esta humilde profissão há 30 anos. “Eu tinha uma sapataria, , mas como não tinha quem me arranjasse o calçado, pensei que estava na altura de aprender esta técnica. Foi um colega de escola que me ensinou a arte de sapateiro. Desde então este meu gosto continua no sangue”. Quanto à sua estreia como participante na Recriação Histórica, destacou a “experiência incrível”, os admiradores que ganhou e a simpatia da organização. “Estou muito satisfeito por aqui estar e por fazer uma demonstração do meu trabalho e como era antigamente o sapateiro”, contou.
Um espaço com uma identidade
Caracterizado como espaço amplo, que apostou numa temática muito atrativa, primando pela diversão e pela cultura, a Recriação Histórica portuguesa, marcadamente Leiriense, retratou a dicotomia campo/cidade dos anos 20. Tudo com uma história, um carisma próprio. Cada espaço tem uma identidade, um local e uma data. Recriação Histórica há várias, mas nunca como a verdadeira Recriação Histórica de Leiria.
Texto: Carina Andrade
Fotos: Carina Andrade | Mariana Norte