A realidade de pandemia em que nos encontramos trouxe consigo a necessidade de reinventar e reapropriar vocabulário usado no dia a dia. Assim, foram-se integrando novas palavras e reformulando outras, como é o caso de “confinamento”, “ventilador”, ou até “paciente zero”, alargando o léxico da Covid-19.
A necessidade de alargar e adaptar sentidos da linguagem surge para “etiquetar as realidades e ideias que vão surgindo, para que possam ter vida própria no discurso e facilitar assim a circulação dessas ideias e realidades”, explicita o docente e linguista no Politécnico de Leiria Romain Gillain. Inês Conde, professora na mesma instituição de ensino e investigadora na área da análise do discurso, subscreve esta ideia, admitindo que “o ser humano tem necessidade de encontrar recursos para atribuir sentido às suas experiências, que, por sua vez, lhe permitam quantificá-las, organizá-las, agrupá-las em categorias e torná-las, de algum modo, compreensíveis e geríveis”. A linguagem, nomeadamente a que é usada nas conferências de imprensa diárias, é crucial para atualizar a situação do país face à pandemia. Trata-se de “um veículo através do qual o conhecimento é produzido, distribuído e consumido” e é por isso que, segundo a professora, “a representação da pandemia, em vários suportes e contextos, constitui uma forma reguladora de normalidade, com impactos reais no presente e nas experiências e ações humanas a uma escala global, no presente e num futuro próximo”.
Algo a ter em consideração é, também, a maior repetição de palavras já existentes, como “pacientes” e “quarentena”. Romain Gillain explica que tal sucede porque “a maior ou menor frequência de uso de uma palavra depende do maior ou menor espaço dessa realidade ou ideia no mundo real”.
Para além de este novo mundo pedir palavras com novas conotações, o vírus impôs uma ideia de mudança social e de reinvenção do quotidiano. Os cidadãos foram transformados em “agentes sociais”, que não só refletem como governam os seus próprios comportamentos, nomeadamente o uso de máscara, os corretos “hábitos de higienização” e os “passeios higiénicos” com distanciamento físico. Por sua vez, o vírus passou a ser conhecido como “inimigo invisível” sendo-lhe atribuída identidade e personalidade e afirmando-se como perigoso e mortal. Inês Conde esclarece que a operação de lhe dar nomes e características “permite ter a sensação de que podemos lidar com ele racionalmente”.
O tempo, neste período de emergência, ganho igualmente vários significados. Para uns, ficou suspenso, o comércio estagnou e expressões como “o país parou” passaram a ser recorrentes. Para outros, o tempo pareceu não ser suficiente para salvar vidas e garantir a saúde de todos. Especialmente para as famílias, o tempo significou abrandamento e sincronização com os mais queridos e foi utilizado para usufruir com os filhos. Contudo, no meio da ânsia por novidades estatísticas, o tempo também “passou a ser contabilizado ao minuto, na constante atualização do número de casos”, aponta Inês Conde.
Texto: Laura Melícias | Neuza Santos | Sofia Morgado
Foto: Raphael Schaller | Unsplash