Nem toda a gente monta árvores de Natal, abre presentes à meia noite ou põe bacalhau na mesa da consoada. Para muitos é uma época vivida com menos euforia. Testemunhos que marcam a diversificação das formas de sentir a época.
Cores e luzes na cidade, enfeites, presépios e presentes são os símbolos do Natal que se aproxima. A mesa rodeada de familiares com o peru no centro da mesa, a correria para comprar as últimas prendas para amigos e familiares. Paralelamente a estas vidas atarefadas na época natalícia, existem aquelas que passam ao lado de toda esta agitação. Os motivos são variados, para alguns o Natal está carregado de tristes recordações, para outros reflete o consumismo ou mesmo uma religião que não é a sua. Alguns comemoram, mesmo contra sua vontade, por ser tradição. Outros, optam por não o fazer.
“Fui educada a comemorar, não a gostar”
Ana Rodrigues, 21 anos, estudante de dietética, na Escola Superior de Saúde, conta que não se considera uma inimiga nem uma melhor amiga do Natal. “Fui educada a comemorar, não a gostar”, sublinha. Quando era criança “adorava abrir o monte de prendas que recebia”, mas explica que à medida que foi crescendo, foi olhando “para este assunto de forma muito diferente”. Para Ana, o Natal traz consigo alguns atos sociais com os quais discorda, nomeadamente no que diz respeito ao consumismo promovido pelos media. Discorda também de “todos os atos de caridade oferecidos às pessoas nesta data para ficarem bem em jornais e televisões quando o resto do ano nem se lembram que essas pessoas existem.” Considera que foi pela fé que o Natal surgiu, no entanto, neste momento, não é por ela que se mantém: “Não gosto porque impõe a ideia que tem de ser passado com um grupo enorme de pessoas, onde a família se junta toda, e é tudo muito feliz”. Acrescenta ainda que na sua ceia natalícia proibiu as prendas: “apenas jantamos; eu, os meus pais, o meu tio e a minha avó, conversamos, não trocamos prendas (porque eu proibi).”
Impressão idêntica tem Dina Gonçalves, 52 anos, aposentada da função pública, para quem o Natal é um misto de emoções preso na nostalgia do passado. Recorda o Natal vivido há 30 anos que tinha “uma essência muito mais sentida e verdadeira, uma vez que as pessoas davam muito mais importância à reunião familiar ao invés consumismo”. Este consumismo que considera “desnecessário” e que faz esquecer o verdadeiro sentido do Natal celebrado como “um momento de paz e harmonia”, faz Dina Gonçalves deixar de celebrar o Natal católico em que foi educada. É uma época que lhe traz “tristeza e saudade de ser criança” e por isso procura estar só com quem lhe é mais próximo.
Leonardo Domingues, fotógrafo de 23 anos, a residir da Nazaré, refere-se a esta celebração como algo fútil, criado para todas as pessoas se lembrarem dos mais desfavorecidos, e defende que “um ano tem 12 meses, não apenas um”. Para além disso, Leonardo considera que “o consumismo tomou conta das novas gerações, que ligam mais ao que recebem do que a quem lhes dá.”
Também Rita Nolasco, estudante de comunicação, 18 anos, considera a sua relação com Natal “bastante má”. “Gosto do espírito natalício, mas não gosto do que o Natal traz, é uma época muito hipócrita”, sublinha. Acrescenta também que é uma época consumista: “Só se liga às prendas. Não gosto de receber presentes.” Rita continua a comemorar o Natal por causa da família, mas gostaria de “voltar ao Natal de antigamente, com coisas mais simbólicas e mais atividades em família”.
Época de recordações
João Filipe, estudante de 23 anos, define a comemoração do seu Natal como “um banco de suplentes”: “Estás a olhar para o jogo, sabes como se joga, mas não estás a jogar, estás só a ver jogar”. Refere que devido a uma situação pessoal traumática que se deu durante esta época, associa o Natal a esse acontecimento. Isso não invalida que esteja junto dos seus familiares quando eles comemoram o Natal, no entanto, não partilha a alegria da comemoração.
Também para Vasco Domingos, personal trainer, o Natal é período de recordações difíceis, uma data que tem ”pouco significado” e que não faz questão de festejar. Vasco conta que o seu tio faleceu ainda bastante cedo e que, a partir desse momento, grande parte da família deixou de seguir a tradição. A situação agravou-se com o falecimento dos avós. Vasco refere que passa o seu Natal com o pai e com um tio que vive na mesma rua, mas sem festejos. “Não fazemos nada de extraordinário, apenas um jantar “diferente” e passamos a noite toda a conversar, a recordar, a ver filmes. Não há presentes, não há decorações”, conclui.
Natais diversos
Reconhecendo que “as marcas são muito eficientes a explorar o facto de nesta época a oferta de prendas ser mais intensa” e de cedo se terem apercebido do “potencial económico associado”, José Marques, sociólogo e docente na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, explica, no entanto, que a troca de presentes se trata de “uma troca comunicativa que é inerente às sociedades humanas e que assume um certo caráter instrumental na manutenção das relações sociais”. No essencial, refere, “a prenda é um sistema de reciprocidade que se perpetua através de três tipos de obrigações: a obrigação de dar, a obrigação de receber e a obrigação de retribuir.”
O sociólogo explica também que “há muitas diferenças na forma de celebrar o Natal, quer entre imigrantes de outras culturas, quer entre gerações (os jovens celebram o Natal de forma diferente dos idosos, por exemplo).” Explica também que “nem todos celebram o Natal como uma festa religiosa”. E dá um exemplo: “Frequentemente as comunidades imigrantes integram a celebração do Natal nas suas práticas quotidianas durante esta época. Mesmo que não lhe atribuam o mesmo significado (tal como uma parte da população portuguesa não católica). O interessante é que muitas das vezes criam uma celebração mestiça em que conjugam elementos comuns no Natal ocidental com elementos das suas próprias culturas de origem”.
Questionado sobre o motivo que leva a que as pessoas tenham menos vontade de celebrar o Natal, José Marques responde: “Mesmo que o discurso seja, por vezes, nesse sentido, a prática mostra que as pessoas continuam a olhar para o Natal como um momento privilegiado de reunião e de reforço dos laços. O que pode haver é uma maior diversificação das formas de celebrar o Natal.” Nesse sentido, explica que o significado das celebrações se foi adaptando à evolução das sociedades ocidentais, mas esta alteração no seu significado não alterou o seu papel central neste período do ano: o de ser um momento de partilha de experiências que, à semelhança de outros momentos no ano, ajudam a criar e desenvolver um sentimento de comunidade.”
Para Dina, Ana, Leonardo, Rita, João e Vasco o Natal não é sinónimo de árvores enfeitadas, presentes à meia-noite ou bacalhau na mesa. No entanto, todos eles têm esse desejo de uma vivência mais sentida. Dina Gonçalves refere, que, “se pudesse mudar mentalidades, o Natal deveria continuar a ser celebrado como um momento de paz e harmonia”. E também Ana Rodrigues gostaria que “a pressão de compra a que as pessoas estão sujeitas diminuísse e que o apoio aos mais carenciados fosse feita e valorizada ao longo do ano, não apenas nesta data.”