Arte Urbana: Paredes que contam histórias

Dinamizar o património cultural da cidade e colocar Leiria na rota da arte urbana foram alguns dos objetivos da iniciativa “Arte Pública Leiria – Paredes com História”. Artistas portugueses e estrangeiros estiveram na cidade a partilhar a sua arte em murais, já disponíveis para apreciação de quem passa.

Dia 9 de setembro marcou o início do evento Arte Pública Leiria – Paredes com história, que trouxe à cidade artistas nacionais e internacionais e colocou Leiria na rota da arte urbana, ou street art. O Percurso Polis, a variante dos Capuchos, o largo Cândido Reis e de Santo Agostinho foram alguns dos locais presenteados com intervenções artísticas de diferentes temáticas e dimensões, mas com o objetivo comum de dinamizar o património cultural da cidade.

Com o fluxo turístico que advém deste tipo de arte já muito desenvolvida em cidades como Lisboa e Porto, Leiria não quis ficar para trás. Foi com este pensamento que Ricardo Romero e Catarina Dias, da Associação Projeto Matilha, em cooperação com a Câmara Municipal e a Associação Riscas Vadias, organizaram a iniciativa. Catarina Dias afirma que “por parte da Câmara Municipal não houve qualquer tipo de entrave”, acrescentando que “o Vereador da Cultura desde cedo se mostrou interessado na iniciativa, prestando apoio total ao projeto e à organização”.

Catarina Dias refere ainda que “apesar de Leiria contar com diversas intervenções artísticas pela cidade, já estava na altura de se realizar um evento desta dimensão” e explica que “desmistificar ideias, apresentar diversas linguagens, tanto em termos estéticos como em termos de intenção” foram os principais objetivos do evento. A curadora do projeto acredita que várias intervenções pela cidade, irão “atrair mais aficionados e curiosos”.

Para além da produção dos vários murais, a iniciativa contou com exposições e conferências realizadas na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do IPLeiria, com o objetivo de debater a arte urbana.

Leiria não é só de leirienses

Para desenvolvimento dos murais, juntaram-se aos artistas portugueses Bordalo II, Daniel Eime e Smile Oneart, o croata Lonac e a dupla espanhola Pichiavo. Como pré-intervenção da iniciativa, foram convidados Carlos Batista e César Costa, pintores de grafítis, para restaurar o mural comemorativo dos 25 anos do 25 de Abril, presente na Avenida Heróis de Angola e originalmente pintado pelos mesmos, em 1999. Como assinala Catarina Dias, “foi algo quase inédito, pois não se faz cá, nem em nenhum lugar do mundo, o restauro de uma pintura de arte urbana, e foi feita curiosamente com latas daquela altura.”

Lonac, de nacionalidade croata, ficou responsável pela intervenção junto à Variante dos Capuchos, intitulada ‘Vícios’. ‘Princesa Zarah’, a pintura que retrata a lenda local homónima, junto ao largo Cândido Reis, ficou a cargo do artista Smile. Bordalo II, artista que apenas utiliza lixo como matéria-prima para as suas obras, elaborou as garças visíveis no Percurso Polis. O realismo do português Daniel Eime pode ser observado no Largo da Infantaria, na sua obra ‘Resta’. Também o mural junto ao Teatro José Lúcio foi brindado com a influência renascentista da dupla espanhola de grafíti PichiAvo, na intervenção ‘Stratego’.

Catarina Dias explica que as intervenções foram feitas em zonas visualmente protegidas, no raio de visão para o castelo e para a Nossa Senhora da Encarnação. Refere também que uma das preocu
pações da organização “foi não perder o carácter identitário da cidade”. A pensar nisso, cada artista permaneceu em Leiria cerca de uma semana para poder visitar a cidade, enraizar-se nos seus costumes e ter contacto com a população. Daí a primeira intervenção, realizada pelo artista Smile, basear-se na história da Princesa Zarah, a Moura Encantada, uma lenda local leiriense. “É engraçado ter de vir um artista de fora, alguém da zona de Lisboa, fazer uma pintura de uma lenda local, porque mesmo os locais, quando passavam, perguntavam o que era”, refere Catarina Dias. A curadora do projeto considera Leiria “uma cidade cosmopolita e académica”, o que faz com que muitas pessoas frequentem a cidade, sendo por isso importante atribuir identidade local às temáticas abordadas em cada mural.

1PRINCESA ZARA
Autoria: Smile
Localização: Largo Cândido Reis/Largo Marechal Gomes da Costa

2 – VÍCIOS
Autoria: Lonac
Localização: Rua Júlia Dores Silva Crespo/Variante dos Capuchos

3 – GARÇA
Autoria: Bordalo II
Localização: Rua de Tomar/Percurso Polis

4 – RESTA
Autoria: Daniel Eime
Localização: Largo da Infantaria 7

5 – STRATEGOS
Autoria: PichiAvo
Localização: Rua Dr. Américo Cortês Pinto 

 

Questionado sobre a inspiração para a sua obra, Daniel Eime, um dos artistas convidados, afirma que procurou representar “uma pessoa mais velha, tapada pela metade pela casa da frente, para dar a sensação de que está lá há muito tempo”. Apesar de não representar ninguém local, o artista direcionou-se para “um rosto mais velho e com requinte”, porque é assim que vê a cidade. Eime explica ainda que se preocupou com o enquadramento na paisagem, especialmente com as cores, “principalmente o amarelo, para se enquadrar melhor na zona e nos edifícios adjacentes”. Em todo o caso, o artista refere que procura também deixar sempre margem de interpretação para quem passa e vê a obra.

Arte urbana não é vandalismo

Quanto às reações da população local, Catarina Dias revela: “Foi muito engraçado ver que as pessoas da faixa etária dos 40 para cima, que pensávamos serem as mais críticas, fizeram questão de nos fazer chegar a sua opinião, e foi muito positiva”.

A responsável do projeto acrescenta que “ainda existe a mentalidade de que a arte urbana e o grafíti estão ligados a atos de rebeldia juvenil, destruição de propriedades e vandalismo”, mas sublinha que “temos de separar o trigo do joio”. Perante a tendência da população para confundir este tipo de proposta com a danificação de propriedade que vulgarmente se verifica nos mais diversos pontos da cidade, Catarina Dias acredita que o evento ajudou a fazer a distinção e a clarificar o conceito de arte urbana: “Não é o ter uma lata na mão e fazer qualquer coisa que torna alguém num artista”.

Catarina Dias conclui que “presença de artistas nacionais e internacionais reconhecidos mundialmente permitiu que as paredes de Leiria fossem vistas a uma escala global”. Graças à promoção através das redes sociais dos artistas, o evento obteve uma elevada visibilidade, que permitiu à organização receber apreciações vindas da Austrália e dos Estados Unidos da América. A organização espera que futuramente os amantes da arte urbana espalhados pelo mundo tenham Leiria como local de passagem.

A pensar no futuro

Passados poucos dias do final do evento, que terminou a 31 de outubro, e depois de todo o trabalho
logístico, do resultado final e das reações obtidas, Catarina Dias admite que vontade não falta para realizar uma segunda edição da iniciativa. Mas uma coisa é certa, Leiria já está na rota de cidades que apostam na arte urbana.