Alterar a designação para Universidade, investir na inovação pedagógica e na área da Inovação Social são alguns dos objetivos de Rui Pedrosa, o novo presidente do IPLeiria, que indica também querer estar próximo das pessoas
Quais as memórias que marcam a sua juventude?
Tenho memórias marcantes da escola primária, de muita brincadeira de rua. Cresci numa aldeia. Tenho muito boas memórias desse tempo e do desporto que praticava. Desde muito cedo joguei futebol. Estávamos sempre a participar em torneios, na região [Minho], mas também no país, e isso foi absolutamente marcante. A perda de familiares que me eram próximos são outras memórias que perduram. Falo em particular de uma das minhas avós.
Porque escolheu uma licenciatura em bioquímica? Foi a sua primeira opção?
Bioquímica sim, Coimbra não. Entrei na segunda opção em Coimbra e fiquei muito desanimado. Volvidos 15 dias, já tinha nascido para aquilo. Escolhi bioquímica consciente de que podia ter uma carreira na investigação. As análises clínicas eram outro caminho que equacionava. Gostava bastante de biologia, de química, áreas em que alcançava boas notas.
Como é que um investigador ligado à medicina, nomeadamente na área da hipertensão arterial, vai ingressar numa escola [ESTM] direcionada para os recursos marinhos?
Eu costumo brincar e dizer que a ligação é o sal. A ponte é que os modelos celulares utilizados, células de rins de ratinhos, tanto se aplicam numa patologia como a hipertensão arterial, como possibilitam testar novos fármacos a partir de organismos marinhos. É também uma questão de contextos, que fazem as oportunidades. Foi uma oportunidade de iniciar uma carreira académica enquanto docente, em alternativa a uma carreira focada exclusivamente na investigação. A minha opção foi vir para cá. A primeira vez que fui visitar a Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar, lembro-me, apetecia-me vir embora. As infraestruturas não tinham nenhuma relação com o que existe agora. Mas logo pensei que havia uma oportunidade de ajudar a construir e a crescer. E foi isso que me fez decidir.
É no mar que está o futuro?
Há muitas oportunidades associadas ao mar, não só na dimensão do turismo, na dimensão da biotecnologia marinha, na oportunidade de encontrar novos fármacos, mas também no potencial e na riqueza do subsolo. Portugal esteve demasiado tempo voltado de costas para o mar. Felizmente, nos últimos anos, começámos a agarrar algumas oportunidades. Há uma margem de crescimento notável.
Não acha que o Politécnico de Leiria tem um défice gritante em termos de infraestruturas desportivas, talvez ainda mais relevante por ter uma licenciatura na área do desporto?
Gritante é uma expressão demasiado forte. Temos algumas limitações e naturalmente que estou comprometido em encontrar soluções para melhorá-las. Importa fazer opções quer no âmbito das oportunidades associadas aos quadros comunitários, quer em função do nosso racional de disponibilidade financeira e necessidades. Ainda não foi possível encontrar respostas. Não sei se vamos concretizá-las, mas está identificado e temos de melhorar. No meu programa de ação identifico algumas áreas que são urgentes e outras identificadas em função dos instrumentos financeiros disponíveis. É prioritário resolver a questão deste edifício pedagógico [ESECS] – o problema do fibrocimento, melhorar as condições. Não tem comparação possível com as infraestruturas de apoio às atividades desportivas. Aproveitaremos, naturalmente, oportunidades de candidatura para a construção de um pavilhão multiusos, no contexto de apoios do quadro comunitário. Posso até dizer que o Politécnico possui um projeto para a construção dessa infraestrutura, exista o instrumento financeiro para a suportar.
A investigação é uma aposta do seu programa. Como pensa aumentar os níveis de produção científica do Politécnico?
O Politécnico de Leiria tem aumentado a produção científica nos últimos anos. Vamos continuar a crescer no âmbito da publicação de artigos internacionais, mas também ao nível das patentes, de projetos de investigação e inovação com empresas e na área da educação. Quando estamos a desenvolver novas metodologias pedagógicas e a monitorizar o impacto destas metodologias, isto é um projeto de investigação. O contexto é favorável para aumentarmos a capacidade científica do Politécnico e para que mais áreas tenham impacto direto na sociedade, nomeadamente nesta região.
Os docentes têm condições para se dedicarem mais à investigação?
Os professores, de um modo global, trabalham muito e têm uma dedicação institucional elevada. Acho que vamos ter oportunidades para uma dedicação maior às áreas de investigação. A produção científica e a investigação não se fazem com heróis. Faz-se em grupo, em equipa, seja onde for, aumentando a rede. Existem oportunidades para contratar investigadores e isso vai permitir um ganho global inclusive da produção dos nossos professores.
Existe um conflito crescente nas salas de aulas entre, de um lado, o novo perfil do aluno e o modelo que representa e, do outro, os modelos expositivos e abordagens tradicionais. Estas questões são pensadas na Instituição?
Eu diria que são bastante pensadas. No meu programa de ação, a dimensão do ensino está muito ligada à dimensão da inovação pedagógica, às novas metodologias do ensino aprendizagem, com novos ambientes indutores de criatividade em sala de aula. Portanto, o que eu transmito com toda a clareza é que vamos iniciar um processo de reflexão interno, para avaliar a introdução de inovação curricular nos nossos cursos, flexibilidade curricular, e em simultâneo fazer intervenção a dois níveis. O primeiro é, com esta reflexão, iniciar projetos piloto em todas as escolas, onde a questão da inovação pedagógica possa ser introduzida. Inovação pedagógica em diferentes metodologias, tais como o ensino baseado em projetos ou o inverted classroom. No fundo, um processo de aprendizagem baseado em projetos de investigação. O segundo, envolve, em estreita colaboração com as nossas escolas, pensar em medidas mais ambiciosas, ou seja, poder ter formações integrais que tenham estas novas metodologias de ensino aprendizagem, e que possam ser introduzidas no Politécnico de Leiria. Esperamos que estas medidas possam contaminar positivamente as outras formações. Também é prioridade criar em todas as escolas alguns espaços diferentes do modelo clássico de sala de aula, para que esses próprios espaços sejam indutores de novas metodologias.
Muitos investigadores afirmam que o mundo do trabalho pede hoje um estudante diferente, com capacidade de colaboração, competências comunicativas, capacidade de resolver problemas, de ser empático e de desenvolver uma visão moral da vida. Não estará tudo isto muito distante do que se pratica em Portugal?
A ideia de termos processos que sejam indutores do aprender a aprender está completamente na agenda. Nos próximos anos, temos de iniciar ações decisivas para aumentar a capacidade de promover as competências transversais. A inovação pedagógica é um dos maiores desafios das instituições do ensino superior.
Se fosse diretor do Akadémicos por uma edição, que tema de capa escolheria?
Se tivesse de decidir um tema poderia ser este, a área da inovação pedagógica e os desafios que as instituições de ensino superior têm hoje para melhorar esta dimensão das competências transversais.
E se fosse na revista Times?
Os desafios da multiculturalidade e dos conflitos sociais que existem em muitos locais do mundo.
Porquê?
Estamos a viver um tempo de enorme tensão em vários pontos do globo. Acredito que isso resulta da falta de comunicação e de conhecimento sobre as diferentes culturas, condição essencial para que se possa promover um espírito de maior compreensão e diálogo.
Como avalia a saúde da democracia portuguesa?
Precisa de melhorar, desde logo na participação dos jovens. Continuamos a ter processos eleitorais que são absolutamente decisivos, dos municípios à Assembleia da República e Parlamento Europeu, até em organizações como o Politécnico de Leiria. Se não estamos nos momentos das decisões, não assumimos a nossa responsabilidade, com consequências na legitimidade para criticar, que fica absolutamente reduzida. A nossa democracia precisa de mobilizar o sentido de responsabilidade dos mais jovens.
Porque deixou a sala de aula e o laboratório para abraçar funções de gestão?
Há quatro anos e meio fui surpreendido por um convite do presidente Nuno Mangas para ser o seu vice-presidente para a área de investigação e inovação. Entendi que era uma oportunidade importante e que podia dar um contributo positivo. Nunca me tinha passado pela cabeça fazer parte da equipa da presidência. Muito mais longe estaria eu de pensar que um dia seria candidato, que ia ganhar as eleições e ser o próximo presidente. Os contextos fizeram as oportunidades.
Como gostaria de ser lembrado no final do mandato?
Gostaria de ser lembrado como o presidente que teve os primeiros doutoramentos de interface na instituição. O presidente em que que a designação da instituição passou a ser Universidade Politécnica. O presidente do Politécnico de Leiria que deu um impulso na área da inovação social, nos espaços de coworking, e que isto seja uma das áreas mais importantes da ESECS. O presidente que resolveu a questão do fibrocimento deste edifício (ESECS). Que lançou um programa de inovação pedagógica transversal a todas as suas escolas, e uma learning factory na ESTG, que lançou o desafio do centro académico em saúde. O presidente que colocou a nossa escola de Artes e Design, a produção dos seus estudantes, professores e investigadores, do ponto de vista da produção artística, a ter mais impacto em todo o território. Que transformou o Convento de Santo Estevão num espaço de experimentação artística ligado à música e à dança.
O presidente que lançou o Parque de Ciência e Tecnologia da Indústria e do Mar, entre outras coisas. O presidente que esteve muito próximo das pessoas, professores, investigadores, técnicos, administrativos e estudantes.
Texto André Lucas, Bárbara Costa, Cláudio França e Francisca Violante