Jogos de cartas e de tabuleiro animam comunidade de fãs

O jogo de cartas Magic The Gathering é febre em Leiria. Entusiastas reúnem-se regularmente para celebrar o universo deste e de outros jogos de cartas e tabuleiro.

Noite de outubro e uma chuvinha típica de outono leva-nos apressadamente ao interior do edifício Galerias São José, em Leiria. Subimos o primeiro lance de escadas e seguimos em direção a uma loja que, vista de fora, sugere a mesma atmosfera cinzenta. Lá dentro, no entanto, o clima é outro. Três jogadores conversam, calorosamente, sobre as opções de jogo. Do fundo do espaço, atulhado em jogos e pacotes de
cartas, surge Diogo Santos, proprietário do Magic Clube de Leiria, também conhecido por “Ali Babá”, que reúne regularmente entusiastas do jogo Magic The Gathering. Sorri: “Então, malta? Tudo bem com vocês?”.

Feitas as apresentações, Diogo mostra-nos o segundo andar da sua loja, especialmente reservado para a realização de eventos e torneios. Num dos cantos pode ver-se o jogo de tabuleiro Warhammer, nova febre entre os frequentadores do clube. Criado em 1983, é um jogo tridimensional de guerra imaginada que oferece a possibilidade de cada jogador controlar
um exército de miniaturas. Essas figuras fantásticas, de elfos negros a altos-elfos, de anões a humanos ou mortos-vivos, são dotadas de virtualidades e fraquezas, fornecendo todos os ingredientes para uma aventura com um grupo de amigos. Jogos como o Warhammer ou Dungeons and Dragons (Masmorras e Dragões) inserem-se nos chamados RPG’s (Role-Playing Games ou Jogos de Interpretação de Papéis) e fazem parte da cultura geek, um movimento surgido nos Estados Unidos entre os anos de 1980 e 1990, envolvendo os amantes de tecnologia, videojogos, cinema, banda desenhada, livros e, também, os jogos de cartas e tabuleiro. A tendência geek, apesar de ter sido vista com maus olhos no passado, está hoje em ascensão e abrange inúmeras vertentes, desde as produções de Quentin Tarantino até às criações do universo cinematográfico Marvel. Edgar Lopes, um dos membros do Magic Club de Leiria, indica também apreciar livros, séries, animes (animações japonesas) e videojogos. Ruben Reis, outro elemento do clube leiriense, coleciona estatuetas e bandas desenhadas, considerando-se plenamente inserido dentro da cultura geek. “Os elementos que coleciono remetem-me a um mundo de fantasia sem igual, e é aí que gosto de estar”, justifica.

O culto de Magic The Gathering

Os jogos de cartas são outro ponto de interesse da cultura geek e Magic The Gathering ocupa, neste âmbito, um lugar de culto. Foi concebido no início de 1990, no auge do movimento geek. A mecânica do jogo é simples: os jogadores estão munidos de um baralho de cartas e têm como objetivo vencer o baralho oponente. Edgar Lopes considera que o segredo da longevidade do ‘Magic’ reside no facto de ser um jogo de nicho: “É graças à comunidade apaixonada, que passa horas à volta do jogo, que o mesmo não morre”.

Mergulhando no universo de ‘Magic’, não é difícil perceber a imagem quase mitológica que lhe está associada. A componente colecionável de cartas, fazendo lembrar os clássicos cromos de futebol da Pagnini, surge em primeiro lugar. As cartas são lançadas em grupos, com mecânicas de jogo específicas e interligadas entre si. As mais raras podem atingir valores astronómicos. Black Lotus é a carta mais valiosa e pode valer cerca de 50 mil euros.

“Como é um jogo com colecionáveis muito valiosos, atrai muita gente”, explica Edgar. Ruben Reis garante que “alguns colecionadores têm milhares de euros em apenas cinco ou seis bocados de cartão, investindo constantemente”. A este cenário não é alheia a estratégia da marca responsável pela gestão do jogo no mercado, tendo vindo a realizar investimentos em publicidade que garantem uma espécie de notoriedade eterna ao produto.

O Magic Clube de Leiria procura alimentar um sentimento de pertença, de comunidade, mas não dispensa essa vertente comercial, indispensável para alimentar a cultura geek. “A Wizard completou 25 anos há pouco tempo e noto, como lojista, que tenho cada vez mais pessoal a querer experimentar o jogo”, afirma Diogo Santos.

Recuperar a dimensão presencial do jogo

Outro motivo de interesse reside na própria dinâmica do jogo e na autonomia que confere. Cada jogador pode construir o seu próprio baralho e a estratégia preferida. De forma simples, o ‘Magic’ pode ser visto como uma mistura entre o póquer e o xadrez. A aleatoriedade está presente, mas um bom jogador consegue dar a volta ao resultado independentemente do fator sorte.

De um ponto de vista quase sociológico, e embora estes jogos tenham desenvolvimentos também no mundo digital, a dimensão presencial é apontada como um dos atrativos incontornáveis do jogo e reforça, segundo Diogo Santos, a sua “linha old-school”. Ao recordar os primeiros contactos com o universo de ‘Magic’, o proprietário descreve uma experiência desprovida de meios técnicos: “Comecei a jogar por volta de 1996. Tinha uns amigos que eram jogadores e que também iam a um local especializado no jogo. É um bocado aquela coisa: somos de uma geração que jogava ao berlinde, sem o auxílio de computadores conectados à internet. As coisas aconteciam ‘frente-a-frente’, agarrávamos qualquer novidade que aparecesse”.

Diogo afirma ser importante que os iniciantes do ‘Magic’ mantenham a mente aberta para interiorizar as noções fundamentais de um jogo tantas vezes rotulado de chato e frustrante. Para Diogo Santos as principais dificuldades do jogo são a falta inicial de cartas e a falta de experiência de quem começa, sendo o convívio que proporciona a principal mais-valia. “O que gosto mais no jogo é de conhecer pessoas com táticas e técnicas diferentes”, garante.

Ruben Ribeiro confirma essas dificuldades ao mesmo tempo que destaca o incentivo e apoio dos amigos para quebrar as barreiras iniciais: “Os meus amigos acabaram por me convencer a comprar uma booster box (caixa de cartas de jogo) e, pronto, foi o início de algo maior. Já conto com milhares de cartas e, desde então, nunca mais parei de colecionar e jogar”.

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Cultura geek

Geek é uma tendência em ascensão devido ao nível de popularidade e importância económica no desenvolvimento da indústria e cultura Pop. O que era considerado “à margem”, hoje em dia é uma das áreas mais lucrativas e abrangentes do entretenimento de massas. Esta corrente ou “tribo urbana”, como já foi apelidada, é um dos marcos do Século XXI, estando praticamente presente em todos os campos da indústria do entretenimento. Uma das variantes desta cultura relaciona-se com os jogos de tabuleiro ou cartas. Esta vertente não é tão popular ou abrangente como a dimensão
dos videojogos ou filmes, nem mesmo como a da Banda Desenhada. Os amantes de tabuleiros e cartas recusam-se a abandonar estes jogos, suportando-os e ajudando as companhias a mantê-los ‘frescos’, interessantes e relevantes dentro deste círculo. Trata-se de uma oferta que não se resume ao Monopólio, Trivial Pursuit ou Cluedo. Talvez fosse esse o caso durante a década de 80 e 90. Atualmente, existem os chamados designer games que apostam em novos desenhos de jogo e de tabuleiros como o Betrayal at House on the Hill (em português, Traição na Casa da Colina). Neste caso, o tabuleiro é composto por pequenos quadrados que representam divisões da casa titular e no qual os jogadores tomam o papel de exploradores dessa mesma casa assombrada.

Texto: Francisco Caria | Guilherme Soares | Lais Matos | Paola Possenatto