Saída forçada
De uma geração mais jovem, Mariana Benítez, 45 anos, recorda a sua infância com um sorriso e uma certa nostalgia. “Vivia no paraíso”, em Puerto Piritu, uma cidade situada na costa, banhada pelo mar. “Naquela altura, a insegurança era muito menor do que agora. Mesmo muito menor. Ainda podíamos brincar nas ruas sem grande perigo”, lembra.
Maria Benítez, o marido e as duas filhas fizeram parte dos cerca de quatro milhões de venezuelanos que, desde 2015, tiveram de abandonar o país. Saíram em 2017, deixando os seus parentes para trás. Não foi uma decisão fácil, mas foi necessária. “Os últimos meses na Venezuela foram os mais complicados, mas para comprar comida”, refere. Conseguir bens de primeira necessidade é, como conta, um desafio para a população venezuelana. A única opção que têm é ficar horas em filas à frente de supermercados e mercearias, à espera que chegue a sua vez para poderem comprar os bens essenciais para a sobrevivência. Muitas vezes, a espera é inglória e são obrigados a voltar para casa sem nada nas mãos, porque os supermercados esgotaram todos os seus produtos. “É a lei da sobrevivência”, assegura.
Para fugir ao caos e à instabilidade que se tornou insuportável, Mariana Benítez veio, em 2017, com a família para Pombal, no distrito de Leiria, onde tem parentes. De início, ficaram a viver em casa de conhecidos, mas rapidamente Mariana e o marido conseguiram arrendar um apartamento e arranjar trabalho. “A adaptação foi progressiva. A parte mais complicada foi o inverno. Esse foi o primeiro choque”, afirma. A diferença da língua, que ao início era uma dificuldade, cedo foi ultrapassada, e a família já se habituou ao português. Apesar disso, o castelhano continua a estar muito presente no quotidiano familiar.
Uma das maiores preocupações de Mariana Benítez enquanto vivia na Venezuela era zelar pela segurança das filhas. Foi-lhes sempre permitida uma vida normal enquanto adolescentes. No entanto, os cuidados eram redobrados. As saídas à noite eram uma inquietude. “Com que tranquilidade uma mãe permite que a filha saia livremente para uma festa e chegue às 2 horas da manhã? Dá medo. E se a roubam? Se lhe tiram o telemóvel? Se a seguem?”, recorda. Para que estas situações fossem acauteladas, Mariana Benítez ia sempre levar e buscar as filhas aos lugares de convívio. Mas, mesmo assim, o perigo continuava a ser uma constante, principalmente à noite.
Além dos problemas económicos e políticos que a Venezuela enfrenta, a lusodescendente considera que a mudança de mentalidade das camadas mais jovens é consequência da profunda crise em que mergulhou o país. “Mesmo que mudasse o Presidente, tinham que passar décadas para que esta situação melhorasse, porque a mentalidade das pessoas mudou. Os jovens só conhecem o tipo de vida fácil, o roubar, o que o governo lhes dá. Não interessa de onde vem o dinheiro”, desabafa, desgostosa com a alteração dos valores da sociedade jovem.
Essa transformação é corroborada com factos históricos, como menciona Nancy Gomes: “A Venezuela, desde 1914, no início da guerra, entrou numa fase muito positiva pela descoberta dos poços petrolíferos. A própria cultura do país definiu-se também a partir desta bonança. Havia muito dinheiro, que moldou uma cultura do facilitismo”. Com a chegada ao poder de Hugo Chavéz, em 1999, os ventos da bonança sopraram de novo. A situação favorável permitiu o aumento do emprego e das reformas sociais planeadas pelo Presidente. A especialista refere que “a economia e as expetativas da população giravam à volta da riqueza gerada pelo petróleo. Portanto, não houve uma profunda alteração de mentalidades, mas sim da cultura do próprio país derivada da indústria petroleira e dos seus benefícios económicos”.