João Castro: ‘Na internet toda a gente tem hipótese de tentar’

Tem 21 anos, nasceu no Porto. Com formação em multimédia, acabou por abrir uma loja de vinhos na baixa da cidade, o negócio que lhe permite pagar as contas. No tempo que sobra, dedica-se à ilustração e à sátira do quotidiano. João Castro, mais conhecido no Instagram por by.castro, tem hoje mais de 30 mil seguidores, mas não gosta de selfies, nem que lhe chamem influenciador.

O que querias fazer quando eras mais novo?

Pensava em ser biólogo. Sempre gostei de animais e do mar. Também quis ser jogador de futebol e essas coisas todas. Queria fazer alguma coisa relacionada com o futebol ou mesmo só com desporto. Depois andei muitos anos sem saber o que fazer, também sempre gostei de escrever, ou seja, letras. Aliás, se não tivesse ido para Artes teria ido para Letras. Fui para Artes. Foi aí que as coisas começaram a crescer para mim. Sempre tive o gosto de criar coisas, mesmo quando ainda não sabia como as executar a nível técnico.

Sonhas em fazer ilustrações para o resto da tua vida? Que mais gostarias de fazer?

Não me vejo a fazer isto para o resto da vida. Isto pode abrir portas para outras coisas. Gostava de poder fazer outras coisas… Não me importo de passar mais uns anos a fazer desenhos, mas gostava de ter a oportunidade de fazer guiões. Ter algum programa… Gostava de estar envolvido nisso. Ilustração, eu acho que vou fazer sempre, porque já ganhei o gosto. Mas se eu acho que daqui a 10 anos vou estar a fazer isto? Provavelmente não.

Achas que é devido aos temas que trabalhas que preferes não revelar a tua imagem?

Acho que não. Não é de todo. Eu nunca fui muito de me fotografar, mesmo quando era novinho. Nunca fui muito de expor a minha cara na Internet. Quando eu criei o Instagram sempre foi com o objetivo de expor os meus trabalhos. Desde que tenho esta conta, há três ou quatro anos, acho que só tive uma foto minha, por isso… obviamente que gostava que estivesse ligado a mim e se tiver de me mostrar, eu mostro. Mas irá ser sempre coisas pontuais, nunca tipo uma selfie. Também acho que as pessoas estão mais interessadas em saber o que eu faço do que na minha pessoa.

Achas que o Instagram, através da internet, é a solução ideal para quem é tímido?

No geral, eu não sou uma pessoa muito tímida. Isto também pode ser uma forma de me proteger. Na internet, sim, toda a gente tem a hipótese de tentar. De certa forma é tudo uma estratégia de marketing, seja ou não pensada, mas há pessoas de quem gosto, artistas e músicos, que se expõem demasiado e o interesse começa a desvanecer. Eu gosto muito do Bruno Nogueira, nunca foi uma pessoa de se mostrar muito, ou seja, sempre que ele aparece, que está a falar, programas de rádio, o que for, eu tenho curiosidade em saber o que ele vai dizer, mas há pessoas que estão constantemente a comentar e a mostrar-se com fotos, a expor-se a nível mediático, o que se torna aborrecido.

Se te convidassem a entrar numa sala com os teus 39 mil seguidores, como é que te apresentarias?

Não entrava. Tinham de me pagar bem pago e, mesmo assim, não sei, mas eu não entrava… Imagina, quando tu segues uma pessoa, esperas sempre alguma coisa dele e eu não consigo viver com isso, com a preocupação de as pessoas viverem à espera de algo de mim. Para já, não conseguia estar a falar para 39 mil pessoas, não faz parte de mim. Depois, eu sofro um pouco de ansiedade e pode correr mal… Por isso… nem quero sequer estar a pensar numa coisa destas. Eu acho que nem me metia numa coisa assim. Se acontecesse, iria correr muito mal, era só isso.

Estás no Instagram, não usas o Facebook. Equacionas outras formas de partilha do teu trabalho, mais diretas no contacto com o teu público? Não para os 39 mil, mas pequenos workshops, coisas mais diretas ou outras formas de entrares em contacto?

Eu já fui convidado para algumas coisas, para workshops, mas para já, não. Nunca aceitei porque não me sinto confortável a aceitar essas coisas. Eu ando a pensar fazer uma exposição algures no final deste ano, se tudo correr bem, mas não é um objetivo prioritário. Também temos agora o vírus. Neste momento também não sei como é que isto vai correr e da forma que vai crescer, se é que vai crescer. Também há que ter noção e fazer as coisas com tempo. Fui a Leiria porque achei que era uma coisa interessante e nova. Se acontecerem futuramente outras coisas em que eu ache que possa ser benéfico, não hesitarei. Se eu achar que é só por exposição, não vou aceitar.

Não é uma ambição tua teres 100 mil seguidores até ao fim do ano?

Não. Se tu quiseres ter um crescimento mais rápido, tu fazes publicações que resultam. Iria falar de temas que resultem, disto e daquilo. Faço as coisas que acho que têm piada para mim, nem sequer penso se vai resultar. Atenção, eu não vou ser hipócrita, há coisas que eu faço que sei que vão resultar, mas isto é da ideia. Tenho uma ideia e depois pode ou não resultar, mas a maioria das coisas que faço é por gosto, não por números. Quando só se pensa em números, o trabalho piora e o trabalho piorando nunca vai dar números.

Há quantos anos estás no Instagram como ilustrador, como By.Castro?

Com o nome “By.Castro” há meio ano, há 7 meses que criei este nome, mas eu antes era… já nem sei como me chamava. Sempre utilizei o Instagram para expor trabalhos meus, tudo a nível de edição, nunca criei para me expor como pessoa, nem tenho Instagram pessoal, nem nada dessas coisas.

Combinar a escrita com a ilustração é um exercício lúdico, espontâneo, ou exige preparação, dedicçaão e trabalho aturado?

Quando comecei a fazer ilustrações andei a tentar perceber o que poderia resultar com o Instagram. Eu trabalho com o rato, para o trabalho ficar consistente. Tudo o que faço é com o rato, o que é um bocado esquisito. Por isso, tentei fazer a coisa esteticamente mais simples e ao mesmo tempo mais apelativa para as pessoas, porque um utilizador normal no Instagram não quer perder tempo a olhar para uma imagem e passar 30 segundos a percebê-la. No início, a nível criativo, foi um bocado frustrante. Hoje em dia, já não, já é uma coisa muito natural. Neste momento é fácil para mim desmontar um texto complexo e grande numa ideia simples para uma ilustração. Obviamente que eu compreendo que para quem é um ilustrador a sério (que eu nem me considero um ilustrador a sério) que possa ser um bocado chato ver o meu trabalho, porque são pessoas que de facto dedicam muito tempo à ilustração, que é uma coisa que eu não faço. Eu dedico mais tempo à conceção da ideia do que propriamente à execução da ilustração.

Como é que te inspiras para cruzar a comédia com a sátira social e até o traço desenhado com as tuas palavras? Falaste do Bruno Nogueira, que outras referências tens?

Cá em Portugal tenho poucas. Não por achar que os portugueses não têm qualidade, mas porque sempre tive interesse no que se faz lá fora. O mercado é maior, há mais pessoas, há mais concorrência e, havendo mais concorrência, a qualidade tem de subir. Cá, gosto muito do Bruno Nogueira e do Ricardo Araújo Pereira. São as pessoas que eu tenho como inspiração. Lá fora, a nível de ilustradores, gosto muito do Joan Cornella, o expoente máximo, para mim, é ele e depois tenho Bill Burr, o Louis C.K… Humoristas, basicamente.

Num perfil que foi publicado no P3, do jornal Público, referiste que gostas de “pegar em situações estereotipadas e muito generalizadas”. Desconstruir tabus, o que significa isto para ti?

O que eu faço, muito resumidamente, é pegar numa coisa que as pessoas fazem, pegar na cena mais cliché de todas e expô-la. Eu não acho que estou a desconstruir nada, só acho que estou a expor a coisa de uma forma mais ligeira, de certa forma, a satirizar a situação. É isso que eu faço. Pegar em situações normais, que toda a gente faça, e comunicar isso da forma mais simples possível, para as pessoas perceberem que de facto somos todos a mesma coisa… somos todos a mesma coisa.

Então os teus 39 mil seguidores não te fazem achar que és ‘o maior’?

Podem existir pessoas, que possam ou não achar isso, mas isso é problema deles. A minha atitude de agora é exatamente a atitude que eu tinha há três anos. Eu continuo o mesmo que era antes. Não sou influencer, odeio que me chamem isso. Hoje em dia, o que importa é ‘’parecer’’. Por isso é que eu concordo, apesar de achar que não vai andar para a frente, que o Instagram devia retirar os likes, para que as pessoas olhem para o trabalho e não para os números. E foi como te disse, as pessoas hoje querem parecer uma coisa, o que é importante, o conteúdo pessoal, perde-se muito no processo. Faço a minha cena. Quem gostar, gosta. Quem não gostar, não gosta. Independentemente de ter 40 mil pessoas ou 3 ou 4, vou continuar a fazer aquilo que eu ache que é bom. Se as pessoas gostam ou não, é com elas.

Como é que surgem as ideias para as tuas publicações?

Falo de temas atuais. Tento conciliar com as minhas opiniões. A nível criativo, costuma ser algo um bocado espontâneo, mas há dias em que eu estou sem ideias. Ainda assim, tenho coisas apontadas. Escrevo muitas coisas no telemóvel. Se achar alguma coisa engraçada, anoto e depois mais tarde vejo e, se gostar, faço alguma coisa sobre isso.

Qual é a tua opinião sobre o papel cívico das tuas ilustrações? Podem, ou não, intervir na sociedade?

Eu espero que nunca intervenham, era um péssimo sinal. Não quero, nem olho para isso sequer. Há pessoas, como por exemplo o Diogo Faro, que abordam temas e dão a sua opinião e são muito mais coerentes. Eu simplesmente faço. Tento sempre gozar com as coisas, por isso as pessoas não podem ver as minhas coisas como sendo uma coisa ativista. Aquilo que eu faço não é consciencializar ninguém. Se houver quem o faça, ok, mas não é isso que eu quero. Eu quero fazer as pessoas rir e ficarem deprimidas ao mesmo tempo. Percebes? Esse é o meu objetivo, rires e chorares ao mesmo tempo. Mas se eu não fizer isso, ok na mesma. Ninguém me paga para isto.

Então e como é ser ilustrador em Portugal?

É muito mau, mas não é só ser ilustrador, é ser tudo.

Não há apoio? Achas que os portugueses apoiam a tua arte?

Eu não me posso queixar. Sei que neste momento tenho muito. Há pouca gente que tenha este engagement. Mas eu não posso olhar para mim, tenho de olhar para quem não tem, ou seja, para quem tem menos. Se para mim é difícil, para essas pessoas também é difícil. A culpa não é dos portugueses. Eu faço uma t-shirt que custa 25€, imagina, eu não posso vender t-shirts a 10€. E quem é a pessoa que vai dar 25€ por uma t-shirt? Não vão dar, porque não têm poder económico. Muitas dessas pessoas queriam comprar ou gostavam de ajudar, mas não têm como. Tenho noção que viver da ilustração é difícil. Viver da arte é difícil, ponto. Se eu vivesse da ilustração ia estar sempre muito preocupado no final do mês, percebem?

Como é que é lidar com o público? De certeza que já te chamaram muitas coisas ou te tentaram intimidar. Como é lidar com isso?

Em posição fetal na cama, a chorar.

Desligas do insulto?

Não, não. Choro mesmo. Deito-me na cama a chorar. Debaixo do duche, de vez em quando, mas sim, a chorar eu resolvo estas coisas. É o que é. Eu tento ser forte, mas não consigo. Estou a brincar. Simplesmente não ligo. Antes ligava, antes ligava muito até, ficava a pensar “porque é que me fizeram isto? Eu até sou bom rapaz”, mas hoje em dia… fiz uma cena a gozar com a Sagres, recebi ódio e disse “estas pessoas estão a dar ódio por uma coisa tão estúpida como isto, eu não posso ligar a estas coisas”. Acho que foi aí que deixei de ligar ao que me dizem.

Falaste, no início, que podia haver a hipótese de fazeres uma exposição. Que outros projetos tens para o futuro?

Ando a pensar em juntar alguns ilustradores… um ou dois e fazer um livro. Mas se calhar era só para mim, sou muito egocêntrico [risos] e então fica para mim. Estou a brincar, mas eu gostava de fazer um livro. Gostava de fazer um minilivro, tipo 12/13 páginas, uma coisa pequena. Já tive o convite e já tive a ideia de fazer com um ou outro. Tenho muita dificuldade em trabalhar com pessoas e com burocracias. Por isso, se realmente achasse que consigo trabalhar com a pessoa e que o que a pessoa faz não destoa muito daquilo que eu faço, ok. Se não, irá ser sozinho. Era uma coisa que eu gostava mesmo de fazer. Fora isso, não sei, não tenho planos.

Texto: João Sousa | Luísa Jacinto | Maria Rei Marques
Ilustrações: instagram.com/by.castro