Uns recordam o dia que indicam ter mudado as suas vidas. Outros olham para a data como um marco histórico, que não viveram, mas que não deixam, por isso, de valorizar e de trazer para o presente. Fomos perceber como estudantes de licenciatura e do Programa 60+ olham para a Revolução dos Cravos.
Na tentativa de proporcionar uma viagem ao passado, Maria de Lurdes Coelho, Carlos Jorge Coelho, Artur Rodrigues e José Augusto Ferreira, quatro alunos do Programa 60+ da ESECS, contam-nos as suas memórias do 25 de Abril.
“Mamã, mamã está ali o papá”, imita Maria de Lurdes Coelho, de 76 anos, quando questionada sobre o dia 25 de Abril de 1974. Uma memória guardada das palavras da sua filha Catarina que, ao ver os soldados pelas ruas, admirava não os cravos, mas sim as fardas esverdeadas, com que se tinha habituado a ver o pai. “Este não é o papá. O papá está mais longe. O papá vem logo”, respondeu Maria de Lurdes, sem ideia de que esse momento não tardaria a chegar.
Carlos Jorge Coelho, de 77 anos de idade, pai de Catarina, também não estava ciente de que o regresso estaria para breve. As novidades tiveram de atravessar um oceano para o alcançar em Angola, numa guerra colonial em que não escolheu estar. “Mas eu regressava um bocadinho atrás”, afirma Carlos, especulando “se calhar nunca ouviram falar da crise de 1969”.
As primeiras lutas estudantis
No ano de 1967, Maria de Lurdes e Carlos Jorge eram dois jovens caloiros, acabados de ingressar, ela no curso de Medicina e ele no de Direito, na Universidade de Coimbra. Já sonhavam com o momento em que a época de claustrofobia tivesse uma abertura, diz Maria de Lurdes. Deste sonho nasceu uma manifestação que, no dia 17 de abril de 1969, levou a que fosse pedida a palavra em nome dos estudantes de Coimbra. A tentativa de intervenção não teve resultado imediato, mas era o início de uma luta pela liberdade.
Também Artur Rodrigues, de 69 anos, lutava pela liberdade dentro da casa que partilhava com outros estudantes. Planeava uma revolução contra as normas que lhes eram impostas. Tinham encontros clandestinos todas as quintas-feiras à tarde, “debaixo de um pinheiro manso, nos campos lá por trás de Coimbra”. No dia 25 de Abril, também numa quinta-feira, levou a vida naturalmente, até ao momento em que chegou à universidade e o professor disse “Então, uma revolução!”. “Quem deu com a língua nos dentes?”, pensou preocupado, sem saber que em Lisboa e por todo Portugal já se falava da revolução que derrubaria o Estado Novo.
Pela primeira vez, os “fantasmas” que, sem nunca serem vistos, espalhavam panfletos antirregime pelos cafés, tinham rostos, vozes e saiam às claras pelas ruas. “Inquietação” é o sentimento que Artur refere para caracterizar o que sentiu nesse dia em que tinha apenas 19 anos e viu Portugal mudar radicalmente.
Do medo à esperança
José Augusto Ferreira, a frequentar também o programa 60 +, recorda o “medo imenso” que sentia enquanto criança de 8 anos antes do 25 de Abril. “Calem-se, não digas isso, olha que o … é informador da PIDE”, recorda ouvir dizer a mãe. Natural de Évora, explica como, mesmo em meios mais distantes, eram realizadas reuniões clandestinas. Todas acabavam da mesma maneira: “Aparecia um Jeep da GNR e distribuíam pancada”. “Sentia o medo na cara da minha mãe”, afirma. Hoje, recorda a data na perspetiva de quem não esteve no centro dos acontecimentos, mas acompanhou a notícia de uma revolução. No dia 25 de Abril, a professora pediu-lhe que voltasse para casa, pois não teria aulas. “Digo isto e sinto-me todo arrepiado”, confessa, descrevendo um dia confuso e movimentado. A verdade é que “não se tinha certeza de que a luta tinha chegado ao fim”, mas havia, finalmente, voz e havia vez.
Maria José Reis, de 77 anos, nasceu e cresceu em Leiria. Professora primária, recorda ter ido à Escola na amanhã de 25 de Abril. Pela rádio já percebera que algo estava a acontecer, mas ainda sem muita informação. O GNR à porta não a queria deixar entrar, mas acabou por ceder. Havia trabalho urgente a fazer e conseguiu permanecer na escola com dois colegas durante o dia. Só ao final da tarde se dirigiu ao centro da cidade. Via, pela primeira vez, uma Praça Rodrigues Lobo cheia, numa renovada Leiria que acabara de conhecer a liberdade: “Cheia de gente a falar, a querer saber coisas”, mesmo que “ainda muito a medo, sem saber o que ia acontecer.”
Histórias que perduram
Embora 50 anos separem estas gerações, histórias de avós e pais vão assegurando a memória a quem não vivenciou a época. Beatriz São Pedro, estudante de Psicologia na Universidade de Lisboa, relembra as histórias dos avós sobre as dificuldades sentidas antes da revolução: “Não havia liberdade de expressão e muitos estudantes e opositores ao regime foram forçados a emigrar devido à guerra, à prisão e à tortura”. Beatriz São Pedro sublinha ainda o papel do 25 de Abril na descolonização e na independência de várias colónias africanas, o que veio consagrar direitos e deveres fundamentais para a sociedade.
Também Tiago Soares, estudante do Curso de Formação de Oficiais de Polícia no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, recorda os relatos dos familiares: “Sempre me incutiram o que viveram durante o período de ditadura, como a pobreza extrema, a iliteracia e o autoritarismo, que era muito recorrente, tanto por parte do Estado como em casa”.
Manter os valores
Mariana Pereira, estudante de Estudos Europeus na Universidade de Coimbra e membro da Juventude Socialista, reflete sobre o significado da data enquanto jovem mulher, realçando a “conquista da liberdade e da democracia, o fim da discussão do sufrágio livre e universal e a validade dos Direitos Humanos”. Mariana acrescenta que, com o 25 de Abril, o povo ganhou mais consciência de que a liberdade exige um esforço contínuo e coletivo.
Desde a criação do Serviço Nacional de Saúde, até à democratização da educação e do ensino superior, passando pela criação de salários mínimos e de pensões, a história da Revolução dos Cravos deve ser para sempre valorizada, defende Rafaela Silva, estudante de Ciências Biomédicas na Universidade da Beira Interior. “É por tudo isto que o 25 de Abril deve ser lembrado e celebrado e, como jovens, temos também o dever de participar de forma ativa e social para que o legado da data não se desvaneça”, explica.
Valorizar a igualdade de oportunidades de participação política, permitindo a contribuição de todos os portugueses para mudar e melhorar o país, é a conquista que Rafael Santos, estudante de Engenharia Informática na Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTG), destaca. E não faltam ideias a esta geração.
No ano em que se celebram os 50 anos da Revolução reflete-se sobre como podem os jovens participar de forma social e ativa para que o que foi conquistado no 25 de Abril não se desvaneça. Se Mafalda Franco, estudante de Educação Básica na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais (ESECS) do Politécnico de Leiria, aponta a importância da constante luta pelos Direitos Humanos e pelo acesso comum a todos os serviços, independentemente do género, Bernardo Rodrigues, estudante de Solicitadoria na ESTG, salienta a autoiniciativa e interesse pela situação política do país, como forma de participar na preservação dos valores de Abril.
Para Mariana Pereira, os sentimentos de esperança e de superação continuam a marcar a data e são valores que permanecem importantes e não só como efeméride. “Carrego (eu e toda a camada jovem) a responsabilidade, cada vez mais urgente, de lembrar diariamente o 25 de Abril para que o esquecimento não leve ao facilitismo e a um retrocesso nos nossos valores que foram afirmados com tanta coragem há 50 anos”, conclui a estudante.
Texto: Alexandra Carola | Ana Carolina Santos | Ana Ferreira | Bárbara Oliveira | Bianca Serrano | Dayane Silva | Ely Costa | Emanuel Nunes | Íris Eustáquio | Juliana Gomes
Foto: Edward Howell | Unsplash