Célia Leiria é uma fadista portuguesa conhecida pela interpretação genuína e emotiva do fado, um estilo musical tradicional português. Oriunda de Santarém, Célia iniciou a carreira ainda jovem e construiu uma trajetória sólida no mundo do fado. Lançou vários álbuns ao longo do seu percurso e é frequentemente convidada a participar em espetáculos e eventos de música em Portugal e no exterior.
De onde surgiu a aspiração de ser fadista?
Penso que já vem de família. O meu avô paterno, Joaquim Leiria, cantava, o meu pai, Alberto Leiria, cantava, portanto eu cresci neste meio fadista, a ouvir e a crescer neste ambiente do fado.
Qual foi o primeiro contato que estabeleceu com este estilo musical português?
Desde sempre que me lembro de ouvir. Tanto lá em casa, como nas noites de fado que ia com os meus pais.
O que a levou a seguir a carreira de fadista e a dedicar-se à música?
Sempre me lembro de cantar e de gostar de cantar. Cantava na escola e era sempre a escolhida para cantar nas festas que se organizavam, muitas vezes acompanhada à viola pelo meu pai, que lhe dava uns “toques”. Depois comecei a cantar em criança, mas aborreci-me porque acabava sempre por adormecer nas noites de fado. Aos 14 anos pedi ao meu pai para ir com ele a uma noite de fados e pedi-lhe para cantar um fado. Desde então nunca mais parei! Tive outros trabalhos, a par de cantar, mas percebi que os meus horários não eram compatíveis, então decidi arriscar e dediquei me só ao fado.
Teve algum mentor ou uma figura de inspiração que a motivou nessa caminhada?
Penso que já estava no sangue, tive a família como referência, mas acho que a vida foi a grande mentora desta caminhada. Com o tempo, percebi e senti que era este o caminho que queria fazer.
Como foi a experiência de partilhar este género musical português com o mundo?
É sempre gratificante perceber que o nosso estilo musical é muito bem recebido pelos estrangeiros. Eles próprios nos dizem que não conseguem perceber a palavra ou o que dizemos, mas que conseguem sentir. É ainda mais gratificante saber que, lá fora, muitas pessoas estão a aprender a nossa língua por se apaixonarem pela nossa música, o que despertou nelas a curiosidade de explorar o português.
Tem alguma experiência específica que se destaca entre essas apresentações internacionais? Algum momento emocionante ou inusitado que viveu com o público estrangeiro?
Tenho vários, para ser sincera. Mas, assim de repente, aqueles que acontecem muito e que me deixam feliz são ver que as pessoas se emocionam com a nossa música. Por vezes, quando estou a cantar temas mais profundos, abro os olhos no final e vejo pessoas a chorar porque se emocionaram. Isso dá-me sempre a certeza de que o que estou a fazer está bem feito.
Em março deste ano lançou o álbum “Mulher Amor”. Como foi o processo de criação?
Foi um “parto” um bocadinho difícil, visto que começámos a trabalhar neste disco antes da pandemia. Fomos obrigados a fazer uma pausa, mas por outro lado isso deu-nos tempo para repensar algumas coisas e encaminhar-nos até a este resultado do “Mulher Amor”. Foi um trabalho conjunto com os músicos e a palavra final do músico e produtor Carlos Menezes. A escolha dos temas foi minha e estiveram muitos em cima da mesa, mas no final ficaram estes dez que podem ouvir no disco, um resultado que me deixa muito feliz.
Que mensagem gostaria de transmitir com o álbum, especialmente ao ser lançado num dia de tamanha importância como a celebração das mulheres?
Acho que com este álbum gostaria que a Mulher continuasse a ser celebrada todos os dias.
De onde surgiu inspiração para a música “Maria Flor de Jade”?
Veio do poema que o fadista Gonçalo Salgueiro escreveu para a minha filha. Foi amor à primeira vista, deixou-me muito emocionada! Depois de ler e reler acho que esse sentimento nos vai criando música na cabeça para as palavras e foi aí que pedi ao Pedro para passar o que me estava na cabeça para a viola. Assim, com o tempo foi nascendo o “Maria Flor de Jade” e penso que o resultado diz tudo.
Como vê a receção do público mais jovem ao fado?
O fado está na moda e felizmente já há uma camada mais jovem a interessar-se por ele. É bonito ver o interesse que têm em descobrir o fado e procurar perceber de onde vem e o peso que carrega. Nem todos o conseguirão fazer, mas isso já vai da forma como cada pessoa olha para as coisas.
Como equilibra as influências clássicas e as novas tendências musicais dentro do fado?
Acho que não devemos nunca esquecer as nossas raízes, na vida e também na música. Não devemos esquecer nunca o legado que ao longo dos tempos nos foi deixado por tantos e brilhantes fadistas, poetas e compositores. Por isso, nos meus trabalhos tento sempre trazer do passado temas que já foram cantados por referências minhas e respeitá-los sempre, além de fazer novos temas que gostaria que ficassem para o futuro, porque somos nós que construímos o legado que ficará para uma geração futura.
O que gostaria de explorar ou de alcançar na sua carreira nos próximos anos?
Continuar a fazer o que amo, rodeada de pessoas que gosto. Não tenho perspetivas futuras, vivo um dia de cada vez, sempre a fazer o que melhor sei fazer e o que tiver de ser meu será. Todos os dias que canto espero sempre que quem me ouve leve consigo um bocadinho de mim, da voz, do sentimento e para quem entende, da palavra.
Texto: Inês Amendoeira | Lúcia Santos | Margarida Matias | Maria Madeira
Foto: gentilmente cedida pela entrevistada