Pedro Chagas Freitas: “A ideia romântica do escritor em frente ao mar é muito gira, mas é falsa”

Livre de escrever, mas pronto a falhar. É assim que se define Pedro Chagas Freitas. Aos 35 anos, e depois de dezenas de obras publicadas, Prometo Falhar, lançado em abril, é um dos livros mais vendidos de 2014.

O que o levou a entrar no mundo da escrita?

Sou viciado em escrita. Sou um junkie de letras. Tenho de estar sempre a ler ou a escrever. Sempre escrevi – sem nunca pensar, sequer, em fazer disso algo mais sério. Ainda hoje não me levo muito a sério, nem como escritor nem como o que quer que seja. Sou um palerma que escreve cenas. E chega-me. Escrevo o que me apetece. Há lá felicidade maior do que essa?

Passou também pelo jornalismo. O que recorda desses tempos e de que forma isso influenciou a sua escrita?

O jornalismo foi – é – uma grande escola de escritores, ou de escreventes, como gosto de lhes chamar. Um jornalista, seja de que área for, tem de ser, antes de mais nada, um especialista em comunicação escrita. Ter sido durante muito tempo jornalista foi absolutamente fulcral para me dar ferramentas de trabalho que hoje me são tremendamente úteis. Foi como ter workshops de escrita criativa e ainda ser pago por isso. Que maravilha, não é?

Onde encontra inspiração para os seus livros?

A inspiração é desculpa de preguiçoso. Não acredito nela. Nunca acreditei. Escrevo o que a vida é. Fascina-me o quotidiano, a minha micro-realidade, a forma como o interior das pessoas dialoga com o que lhes acontece por fora. É isso que me faz escrever: ser várias pessoas, contar as suas histórias – e com isso contar as próprias pessoas. São pessoas inventadas – mas porque raios há-de isso impedi-las de serem reais? Tem um processo de escrita? Tenho. Penso no que vou escrever, sento-me em frente ao computador, escrevo custe o que custar durante o tempo que for preciso: a isso posso chamar inspiração. Nada mais. Escrever exige uma disciplina férrea, de maratonista, de atleta de alta competição. As ideias têm de chegar e encontrar-me a trabalhar, caso contrário não servem para rigorosamente nada. A ideia romântica do escritor a escrever em frente ao mar é muito gira mas é falsa. Ou então sou eu que, por não ser escritor, digo isso.

Qual foi o primeiro livro que leu? Que recordações tem dele?

Era fanático pelos Hipers da Disney e também pelo Zé Carioca. Aquela cena é mesmo muito boa para agarrar pequenos leitores. Devia ser distribuída gratuitamente pelos mais pequenos. Faria mais pelo gosto pela leitura do que mil programas governamentais dos que fazem agora.

Recebeu muitos “nãos”. O que lhe deu motivação para continuar?

Não recebi muitos “nãos”. Recebi os que todos recebem – e a vida sem “nãos” é uma seca. Mas a minha motivação foi sempre a mesma: escrever. Fui mil e uma coisas profissionalmente – barman, jogador de futebol, porteiro de bar, operário fabril – e nunca deixei de escrever. Escrever esteve sempre presente. E vai estar. A minha motivação é escrever o que me apetece. É uma necessidade e faz-me bem. Porque haveria de parar?

Alcançou um grande sucesso este ano com o livro Prometo Falhar. Quais são os ingredientes para este êxito?

A honestidade. As pessoas identificam-se com o que lêem. E é isso – a honestidade no que escrevemos – que pode fazer a diferença. Escrevi o que me apeteceu, como sempre, e muitas pessoas o sentiram como seu também. Essa é uma das maiores felicidades que um criador, seja do que for, pode ter: sentir que há uma ligação entre aquilo que faz e quem o usa ou consome. Foi isso o que aconteceu. O leitor é sempre o último juiz e a sua reacção foi avassaladora. Aqui fica o agradecimento da minha parte.

O título do seu livro já foi muito discutido. Porque prometeu falhar e não acertar?

Gosto, por vezes, de ver as coisas ao contrário. Passamos a vida toda, desde pequeninos, a prometer o que podemos não cumprir e tendemos a ver em nós, e nos outros, criaturas infalíveis, quando todos sabemos que não o somos. O que eu quis desmistificar foi essa ideia, uma ideia que é do senso comum mas que, colocada desta forma, acaba por desconcertar e nos fazer pensar um pouco. Missão cumprida, pois então.

O amor está muito presente nos seus textos. É o sentimento mais importante de todos?

O amor é o que sustenta esta porcaria toda. E quando falo em amor não falo só no amor entre os dois constituintes de um casal. Falo do amor que nos liga aos outros: o amor que liga irmãos, amigos, pais e filhos, … Se escrevo a vida, é natural que escreva muito amor. O amor é a vida que interessa. Andar aqui sem amor é pior do que não andar. Tudo o que faço tem de envolver amor. Estou a responder a esta entrevista com amor, por exemplo. Não se nota?

Qual a diferença entre o Pedro do Prometo Falhar e o Pedro do livro Mata-me, o seu primeiro livro?

É a diferença que existe entre alguém de 18 ou 19 anos e alguém de 35 anos. Cresci muito. O que não quer dizer que literariamente isso se sinta, mas ao nível da abordagem claro que sim. E ainda bem. Não acredito na coerência, não acredito na imutabilidade. Ser humano é também ter a faculdade de mudar, nem que seja para pior. E eu mudei e mudo. Todos os dias. Não tenho qualquer problema em ser hoje o que não fui ontem. É incoerente, claro. So what?

Está muito associado à escrita criativa. Pode explicar-nos este conceito?

A escrita criativa serve para treinar a escrita. É uma ferramenta. Não pretende ensinar criatividade – pretende ser um instrumento para desenvolver essa espécie de músculo que todos temos. Todos somos criativos. Diria mais: todos somos escritores. Mas só alguns escrevem. Eu não tenho interesse nenhum, como muitos parecem ter, em criar a ideia de que só os iluminados é que podem escrever. Não acredito nessa treta. A escrita é uma ponte que leva o que nós pensamos ou sentimos ou imaginamos para o papel – e é fundamental treiná-la, experimentá-la, senti-la. Os workshops de escrita criativa fazem isso: obrigam ao treino, à experimentação e até ao erro. Faz parte. Todos os escritores, desde sempre, fizeram workshops de escrita criativa. Mas faziam-no a solo. Não estamos aqui a inventar a roda: só estamos a aproveitá-la para rodar melhor.

Tem uma série de atividades paralelas. Pode viver-se da escrita em Portugal?

Temos de acreditar que sim. Quem quiser ficar rico a escrever pode esquecer essa ideia. Não é por aí. Se é difícil? Oh, se é! Mas se estivermos dispostos a escrever nas mais diversas áreas, para os mais diversos meios, sempre com responsabilidade, cumprindo prazos, nunca recusando um trabalho só porque queremos ir beber um copo: então é possível. Ou pelo menos pode ser possível. O que é de certeza possível é tentar. É isso que faço. Foi isso que fiz. É isso que vou fazer. So help me God!

É difícil escrever e editar em Portugal? Porquê?

Não é nada difícil para quem tem dinheiro. Não faltam editoras que publicam a troco de dinheiro. Umas mais, outras menos. Para quem não tem dinheiro é complicado. Muito. Mas há que tentar. Nunca parar de escrever, nunca parar de enviar para editoras, para prémios literários, para concursos de todas as espécies. Esbracejar, esbracejar sempre. Nunca parar. Parar não é morrer – parar é já estar morto e contribuir para o suicídio.

Que conselhos tem para quem quer entrar no mundo da escrita e para aqueles que têm falhado no amor?

Para quem quer entrar no mundo da escrita: escrever todos os dias e ganhar leitores todos os dias. Com a Internet isso é possível. É possível ter milhares de leitores sem ter sequer uma obra publicada. Aproveitem isso. Para quem tem falhado no amor: continuar exactamente assim. Amar melhor é também perceber a importância que as insuficiências têm. Sem medo de falhar.

Mantém alguma relação com os seus leitores? Sabe quem são ou tem o hábito de falar com eles?

Passo muitas horas a falar com os meus leitores. É o mínimo que posso fazer para lhes agradecer. E, por outro lado, é importante conhecer um pouco de quem me lê. É maravilhoso, pá. Tenho leitores de todas as idades, de todas as esferas, com as mais diversas experiências e anseios. Cada leitor é um leitor e cada leitor vale o mesmo para mim, é único e tem todo o meu respeito.

Quais os projetos futuros?

Publicarei, provavelmente em Março de 2015, a minha próxima obra. Depois logo se verá. Não consigo parar quieto e provavelmente outras palermices se seguirão.

Texto: Diogo Fernandes | Mariana Lopes