Ansiedade causa preocupação entre os jovens

Os jovens são os mais afetados pela ansiedade, a doença mental mais prevalente no país, um problema que os especialistas reconhecem mas que o resto da sociedade prefere desvalorizar.

Francisco (nome fictício) tem hoje 20 anos e estuda enfermagem, em Lisboa. A ansiedade atingiu-o aos 15 anos, quando teve problemas em transitar para uma nova escola onde começou por sofrer bullying. Os problemas familiares e o facto de ter dificuldades na disciplina de matemática originaram a primeira situação aguda. “Foi o acumular de tudo isto que foi gerando uma enorme ansiedade em mim até ao dia em que tive um ataque de pânico. Tive de fugir da escola”, recorda Francisco.

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A ansiedade afeta um em cada seis portugueses e os mais afetados pertencem à faixa etária entre os 18 e 34 anos. É uma doença “difícil de definir mas pode considerar-se que é um estado emocional vago, desagradável, de apreensão, receio, aflição, na eminência ou em situação de perigo”, explica o diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental, Álvaro Campos. Em casos mais graves, a ansiedade torna-se patológica “quando a resposta é desadequada à situação e a duração prolongada”.

O primeiro Estudo Epidemiológico Nacional lança o alerta para os níveis de ansiedade entre os mais novos. Dados que não surpreendem a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos: “nos dias de hoje são exigidos aos jovens performances que eles próprios não conseguem atingir, seja na escola ou no trabalho”. Ana Vasconcelos conta que muitos dos jovens que sofrem de ansiedade podem vir a desencadear fobia escolar, criando um “medo de voltar à escola devido às vivências negativas que os deixaram debilitados”. A pedopsiquiatra ainda alerta para o facto de a ansiedade poder provocar “bloqueios cognitivos que afetam a memória e assim prejudicar o desempenho escolar – são as chamadas ‘brancas’”.

Em Leiria, o Serviço de Apoio ao Estudante (SAPE) do Instituto Politécnico de Leiria dá apoio psicológico a todos os estudantes da instituição. Patrícia Pereira, psicóloga do SAPE, refere que há casos de alunos da instituição com problemas relacionados com a ansiedade. “A nossa missão é tentar dar alguma estabilidade emocional através do apoio psicológico”, explica.

Transtorno de pânico

Ana Vasconcelos refere que um ataque de pânico “é um estado de ansiedade no qual ocorrem crises inesperadas de desespero e medo intenso de que algo de mal aconteça, mesmo que não haja motivo para isso ou sinais de perigo iminente”.

João (nome fictício), 21 anos, é estudante de comunicação em Coimbra e lembra o seu primeiro ataque de pânico: “Há dois anos estava deitado no sofá a ver televisão quando de repente passa uma notícia sobre um jovem que morreu em campo enquanto jogava futebol. O meu coração disparou, sentia dificuldade em respirar, tinha tonturas e sentia um enorme desconforto no peito. Disse para mim mesmo ‘vou morrer’”. Naquele momento, “o primeiro pensamento que tive foi de chamar o INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica) mas liguei para a Linha Saúde 24 e disseram-me que o mais provável era que se tratasse de um ataque de pânico, fiquei mais descansado”, recorda.

O diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental alerta que nem sempre as pessoas identificam corretamente os ataques de pânico. “Um episódio de pânico é de instalação súbita, sem desencadeante identificado, em que o próprio experimenta uma sensação de morte iminente sobreponível ao comummente descrito como ataque cardíaco. No entanto, Álvaro Campos salienta que a ansiedade “não desencadeia outras entidades nosológicas mas pode confundir, por exemplo, um hipertiroidismo subjacente ou acompanhar-se de disfuncionalidades digestivas tais como gastrite, duodenite, colecistite, cólicas abdominais e dificuldade e digestão de alguns elementos, tal como pode induzir ou agravar o tabagismo, alcoolismo ou obesidade”.

Ana (nome fictício), de 20 anos, teve uma grave depressão que lhe gerou ataques de pânico. “Essa ansiedade extrema complicou muito a minha vida pessoal e académica, cheguei mesmo a ser assistida por enfermeiros do INEM tal era a minha aflição”, recorda a estudante de Leiria. A frequência dos ataques de pânico levaram-na a ser internada numa clínica. “Fui obrigada a conviver com pessoas que sofriam os mesmo problemas que eu e a experiência até correu nem. A situação voltou a complicar-se quando voltei para o meu antigo espaço onde tive dificuldades em ambientar-me socialmente”, explica.

Hoje, João também diz que os ataques de pânico continuam a fazer parte do seu quotidiano. “Tenho acompanhamento médico e tomo medicação. Apesar de não continuar a ser sistemático como era no início, por vezes ainda tenho ataques de pânico, episódios que já me aconteceram em sala de aula”, diz. Nesses momentos, “tomo um comprimido SOS e com algum controlo mental tento acalmar-me”.

Como afeta a vida dos estudantes?

ansiedade2Pedro Cordeiro é psicólogo com vasta experiência na área da educação e não tem dúvidas que a ansiedade é desestabilizadora na vida de qualquer estudante, podendo manifestar-se em várias idades e vários níveis de ensino. “Quando os alunos se sentem incompetentes, sós, diferentes, ou até dependentes quando são confrontados com tarefas de âmbito escolar, tendem a enfrentar as mesmas com intenso mal-estar e sofrimento psicológico ou a evitar estas situações”, explica o psicólogo. Pedro Cordeiro alerta que, “em casos mais graves, podem formar-se distúrbios ansiosos, tais como a ansiedade a exames, a fobia social e a perturbação de pânico, que são geradores de grande sofrimento e desajustamento social”.

Patrícia Pereira revela que a ansiedade pode ser um entrave no percurso escolar. “Se o foco do estudante for a sintomatologia e não o que está a ser dito em sala de aula, o aluno vai sentir-se perdido”, diz a psicóloga do SAPE, acrescentando que “a ansiedade em altos níveis bloqueia o sistema cognitivo, impedindo o estudante de conseguir ter um bom desempenho”.

Quem sofre da doença muitas vezes acha que é incompreendido. Francisco diz que já justificou uma falta a um exame por não ter a ansiedade controlada, mas “a justificação não foi levada a sério”. Já Ana relata o episódio em que teve o seu primeiro ataque de pânico em aula: “o professor ajudou-me a controlar a respiração enquanto alguns colegas mostraram-se preocupados com a situação. Já outros achavam que estava a fazer um grande filme e que aquilo que estava a acontecer era um exagero”.

Apesar disso, o diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental considera que a ansiedade é uma doença aceite enquanto tal pela sociedade. “Portugal é, há vários anos, o país da Europa com maior consumo de tranquilizantes, em particular de benzodiazepinas, que têm ação terapêutica meramente sintomática”, explica, salientando que este reforço de medicamentos acaba por ser negativo. “Facilmente se conclui que a ansiedade não é um tabu mas uma situação clínica que não parece estar a ser gerida clinicamente do modo mais adequado”, diz Álvaro Campos.

Hoje, a ansiedade está presente no dia a dia de muitos estudantes, condicionando-os. “Estar ocupado é fundamental para esquecer os meus medos”, diz João. “Quando ingressei no ensino superior também comecei a fazer exercício físico com maior intensidade e agora sinto-me muito melhor”, explica.

Francisco está agora satisfeito com o seu percurso escolar mas a ansiedade continua a assombrar a sua esfera privada. “Prefiro muitas vezes ficar em casa sossegado a sair à noite, acabo por recusar muitos convites de amigos e isso leva-me um pouco ao isolamento”, reconhece.

 

Texto: João Pedro Santos