Susana Ribeiro: “Há crianças que levam meses a deixar que o palhaço entre no seu quarto”

Susana Isabel Rocha Ribeiro formou-se em Biologia, mas escolheu dedicar-se aos outros. Trabalha como Coordenadora do Núcleo de Investigação da Operação Nariz Vermelho, uma IPSS existente desde 2002, que “tem por missão levar a alegria do palhaço às crianças hospitalizadas”. Um trabalho que vai muito para além do Natal.

Que tipo de atividade desenvolve a Operação Nariz Vermelho?
O nosso foco é a criança hospitalizada, pais e profissionais. A nossa atividade principal são as visitas dos doutores palhaços – que são semanais e são feitas pelos nossos artistas e sempre em dupla. Começámos com a criança hospitalizada, que ao início era o foco principal, mas passados alguns anos percebemos que a presença do doutor palhaço tinha mais efeito junto dos pais e profissionais do que das crianças, dependendo também da situação em que as crianças se encontravam. Fazemos campanhas de angariação de fundos, ações extra com os nossos doutores palhaço e workshops que são atualmente uma fonte de receita. Temos merchandising, uma loja online, uma campanha intitulada “Doadores de Sorrisos”, em que as pessoas doam um valor definido mensalmente. Temos também uma grande ação uma vez por ano, onde tentamos mobilizar a sociedade portuguesa. Sendo uma IPSS, a Operação Nariz Vermelho não é uma instituição típica como os lares de idosos, centros de dia, creches. Não temos nenhum apoio do Estado e, como tal, todos os fundos que são angariados partem de campanhas de angariação de fundos, indicadas para o efeito.

Existe a ideia que a Operação só trabalha no Natal. É assim?
Não estamos e nunca estivemos a trabalhar só no Natal. A associação foi construída para podermos estar com as crianças durante todo o ano e não apenas em datas comemorativas. Estamos nos hospitais durante todo o ano e nalguns hospitais chegamos a estar mesmo duas vezes por semana. É um trabalho exigente, não só a nível de disponibilidade, mas também a nível da qualidade que é exigida.

Quem são as pessoas por detrás dos doutores palhaços?
Os nossos doutores palhaços são artistas profissionais remunerados, não sendo, portanto, um trabalho voluntário. Muitas vezes existe a ideia de que os doutores palhaços são médicos vestidos de palhaços, mas não são. Há que desmistificar essa ideia. Os nossos doutores são artistas profissionais que vestem uma bata de médico, no fundo para se inserirem no espaço onde estão (hospital), ajudando a desmistificar o medo da bata branca que muitas crianças têm.  São vários os artistas que nos enviam os seus currículos e que, primeiramente, passam por uma seleção de currículos e depois por uma entrevista, uma audição artística e ainda por um workshop artístico. Não é qualquer artista que pode estar num contexto hospitalar. Ser apenas artista não é suficiente para se ser doutor palhaço. Ser artista de rua ou de circo, que está habituado ao palco, é muito diferente de ser doutor palhaço. Trabalhar num quarto de hospital, numa relação direta com uma criança é muito diferente doutro tipo de trabalho artístico. Pela presença dos doutores palhaços a criança vê o outro lado do profissional de saúde, o seu lado humano.

Que tipo de formação é dada à equipa?
Os nossos doutores palhaços são artistas profissionais remunerados, com formação específica para intervir em contexto hospitalar. Na vertente artística a formação é baseada em diferentes técnicas como a criação da personagem, improvisação/criatividade, música, malabarismo, dança e magia. No que se refere à formação hospitalar são abordados temas como a estrutura hospitalar, a higiene hospitalar, a criança e a sua família, a doença, a dor e a morte, psicologia e desenvolvimento da criança. Ao longo período de formação inicial, os artistas são avaliados em relação à sua sensibilidade e maturidade emocional, capacidade de ouvir, empatia e motivações, aos conhecimentos adquiridos sobre o meio hospitalar, às suas habilidades artísticas e à sua ligação com os valores da Operação Nariz Vermelho.

Como é a relação estabelecida pela Operação Nariz Vermelho com as equipas clínicas e as instituições? Estas são recetivas?
Atualmente e após 14 anos de intervenção da Operação Nariz Vermelho, são os hospitais e as suas equipas que requisitam o programa de visitas semanais dos nossos doutores palhaços. Antes de abrirmos o programa num novo hospital, realiza-se uma visita ao hospital e uma reunião com a Direção Pediátrica para dar a conhecer o nosso trabalho, perceber o funcionamento do serviço de pediatria e estabelecer a rota dos nossos artistas. Posteriormente é formalizada a parceria com o hospital através da celebração de um protocolo entre as duas entidades.

Como é que os doutores palhaços conseguem pôr um sorriso na cara de uma criança hospitalizada?
Os nossos palhaços não vão à procura do sorriso, vão à procura de transformar um bocadinho o ambiente hospitalar, no fundo de o melhorar. O palhaço não quer um sorriso, o que faz é propor um jogo à criança e, assim, transformar um bocadinho o ambiente. As crianças, por momentos, esquecem que estão no hospital. Porém, nem sempre é assim. Algumas crianças dizem “não” ao doutor palhaço e até isso as ajuda porque, pelo menos, há algumas coisas a que têm o direito de dizer “não. Há crianças que levam meses a deixar que o palhaço entre no seu quarto. Mas o palhaço não desiste! O palhaço diz sempre que sim!

O que sente um doutor palhaço ao regressar a um hospital e uma criança já não estar lá?
Com as crianças de doenças oncológicas, cria-se uma relação de grande proximidade e é difícil de ultrapassar esses momentos. No entanto, isso acontece não só com os nossos palhaços, mas com os profissionais de saúde em geral. Os nossos artistas têm momentos para essa “higiene pessoal” que afeta qualquer um. A nossa instituição possui, inclusive, psicólogos aptos para ajudar os nossos artistas a ultrapassar esse tipo de situações.

Como iniciou o seu trabalho na Operação Nariz Vermelho?
Conheci a Beatriz, que é uma dos três palhaços fundadores, e ela perguntou-me se eu podia ajudá-los. Estava disponível e aceitei. Estávamos no IPO de Santa Maria na altura, portanto posso dizer que estou na Operação Nariz Vermelho desde o seu início. Inicialmente foi para ajudar três palhaços a ter alguém mais organizado (risos).

Atualmente, coordena o Núcleo de Investigação da Operação. Como chegou até aqui?
Licenciei-me em Biologia, mas sempre estive muito ligada ao mundo associativo. Como tal, decidi tirar mestrado em Psicologia Educacional. Trabalhei com crianças em projetos educativos na área do ambiente, com associações de animais e nunca deixei de estar próxima do mundo educativo. Costumo dizer que a minha melhor opção foi feita pelas pessoas com quem eu gostava de trabalhar e das quais reconhecia o imenso valor. Foi por isso que aceitei o cargo e vim para aqui.

Que tipo de trabalho é que o Núcleo de Investigação desenvolve?
O Núcleo promove o debate e discussão de conhecimentos sobre o que é o palhaço. Damos apoio a alunos do Ensino Superior que queiram desenvolver as suas teses e/ou projetos de investigação que procurem medir os efeitos do doutor palhaço junto dos nossos públicos. Lançámos este ano o livro “Rir é o melhor remédio?”, que resulta de um projeto de investigação em parceria com a Universidade do Minho e que traduz vários estudos que foram feitos ao longo do tempo acerca desta temática. Além disso, o Núcleo procura dar a conhecer o que é o palhaço aos profissionais de saúde.

Quais os resultados desse projeto de investigação?
O projeto de investigação «Rir é o melhor remédio?» inclui vários estudos complementares, entre teses de mestrado e de doutoramento, pelo que é difícil fornecer os resultados de toda a investigação, mas podemos salientar alguns. Num dos doutoramentos foram recolhidas as perceções dos profissionais de saúde em relação aos efeitos dos doutores palhaços na criança/adolescente. Constámos por exemplo, que 93% dos profissionais de saúde referem que a criança/adolescente, após a visita dos doutores palhaços “esquece por alguns momentos que está no hospital”. Referem também que a criança/adolescente, após visita dos doutores palhaços, colabora mais com os tratamentos ou os exames e que após a sua visita “suporta melhor a dor”.

A Operação é muito solicitada para eventos?
Sim, somos bastante solicitados para participarmos em eventos, principalmente no Natal. No Natal, as nossas visitas são sempre feitas em formato “cor de Natal” e realizadas em grupo e não em duplas. Somos convidados para várias festas de Natal, como por exemplo os Natais dos Hospitais. Este ano, iremos estar na Feira de Natal, que decorrerá em Lisboa.

Quais são os projetos e perspetivas para o futuro?
O nosso objetivo principal é continuar a levar às crianças os doutores palhaços e crescer para novos hospitais. A nossa Operação já oferece os doutores palhaços gratuitamente aos hospitais, e como tal, não temos capacidade para pôr Doutores em todos os hospitais do país, mas tentamos tê-los onde exista um afluxo maior de pessoas. Neste momento não abrimos mais um hospital porque tem bastantes custos. Porém, e tendo em conta que estamos quase a celebrar 15 anos de existência e que conseguimos abrir 14 hospitais em 14 anos, gostaríamos de abrir mais um hospital no aniversário dos 15 anos. Vamos ver…

Está nos projetos futuros a abertura de um hospital em Leiria?
(Risos). Julgo que não. Temos uma lista muito grande de hospitais em espera. Não é fácil! A possibilidade de se abrir um hospital prende-se muito com os fatores económicos que possuímos e com o afluxo que o hospital em si tem. Para já é complicado.

Entrevista: Ana Luísa Palheiro e Rui Silva