Entre a saída do cabeleireiro e um pedido de selfies, o Akadémicos falou com Cláudia Pascoal no Chiado. Na palavra saudade cabem o jardim da avó e os tempos da Escola Superior de Artes e Design (ESAD.CR) das Caldas da Rainha. O gosto pela música e por um jazz mais agressivo não esmorecem a ambição de quem carrega nos ombros uma herança vitoriosa e a participação portuguesa no Festival da Eurovisão, no próximo 21 de maio, em Lisboa.
Como têm sido estes dias depois da vitória no Festival da Canção?
Muito cansativos. Há momentos em que só penso onde é que está o meu sofá, umas pipocas e um filmezinho bom. Por outro lado, é extremamente agradável porque esta é a vida com que sempre sonhei. Está a ser uma experiência incrível. Tenho conhecido pessoas de todo o mundo musical.
Sonhava representar Portugal na Eurovisão?
Isso é daqueles sonhos que não se sonham. Parece tão distante que nem nos atrevemos a pensar nisso. Talvez quando vir o palco, o sonho se torne real. Foi o que aconteceu em Guimarães. Eu estava contente por levar uma música da Isaura, mas só quando vi o palco percebi que realmente estava na final do Festival da Canção. Vai acontecer o mesmo no Altice Arena.
Conquistado um lugar na Eurovisão, o que fez depois de cair o pano em Guimarães?
Fomos para uma tasca comer e tocar guitarradas. Compositores, produtores e intérpretes todos juntos.
Como se sente sabendo que é a sucessora de Salvador Sobral?
O Salvador trouxe algo de novo tanto ao Festival da Canção como à Eurovisão. Algo mudou por causa dele. Na Eurovisão, por exemplo, o inglês imperava. Agora, já se ouvem mais músicas cantadas em línguas nativas. É uma grande responsabilidade suceder a uma atuação inacreditável. Darei o melhor para alcançar uma classificação louvável.
Qual a história de O jardim? Ajudou a Isaura Santos na composição do tema?
A Isaura contactou-me, inicialmente, para cantar uma outra canção, Onde estás. Estudei bem a música e gravámos o tema. A Isaura, porém, não se sentia bem com essa decisão e logo me mostrou O Jardim. A música possui um grande significado pessoal para a Isaura. Ouvi uma versão cantada por ela e logo fiz algumas alterações relacionadas com a minha personalidade. Mas respeitei ao máximo a versão original.
A música fala de saudade. Do que é que sente saudades?
A música remete para a minha avó desde a primeira vez que a ouvi. É engraçado porque, tal como a avó da Isaura, a minha também tinha um jardim pelo qual nutria grande carinho. Eu e os meus primos jogámos muito à bola naquele quintal. Estávamos sempre a partir as flores. Lembro-me de ir buscar uns palitos, espetar no calo das flores e pô-las outra vez direitinhas. É uma das memórias mais carinhosas que possuo. A minha avó sabia que o jardim estava todo estragado, mas não interferia nas brincadeiras. A música fala de uma saudade que, no meu caso, facilmente se relaciona com estas memórias bem aconchegantes. É uma música forte que, de certo modo, significa um reencontro com a minha avó.
Como reage às acusações de plágio?
Honestamente não ligo. Não faz nenhum sentido. Aliás, toda a gente sabe que cantei essa música To Build a Home, dos The Cinematic Orchestra) no The Voice, pelo que seria a primeira pessoa a admitir uma situação dessa natureza. É uma não questão.
Há sondagens que dão o tema como um dos favoritos. Sente essa responsabilidade?
Ainda não acredito que estou na Eurovisão, quanto mais nos favoritos. Quando começaram a circular essas sondagens, senti-me surpreendida pelo facto de podermos alcançar uma boa classificação. É um fator adicional de motivação. Temos trabalhado muito, não apenas para conseguirmos a melhor interpretação possível, mas também para conjugar a música com o palco. A edição deste ano apresenta um palco muito peculiar. Vai ser diferente.
Falemos agora de um outro palco, mais propriamente o da sua formação académica. Porque escolheu um curso de Artes Plásticas?
Sempre quis ser professora de desenho ou pintura. O objetivo era entrar na Faculdade de Belas Artes. Mas tinha de escolher logo uma especialização e segui-la durante quatro anos. O problema é que queria experimentar diversas formas de expressão para perceber se a pintura era mesmo o meu horizonte. Nesse momento, encontrei-me com uns amigos nas Caldas da Rainha e reparei que tinham aulas muito direcionadas para explorar a liberdade criativa dos alunos. Foi um momento crucial que me fez mudar de ideias. Fiquei a estudar na ESAD. Gosto muito do ensino quando se dá espaço para a criatividade aparecer.
Como caracteriza a experiência na ESAD?
É um pouco ingrato responder a essa pergunta porque na época eu era outra pessoa. Na altura, achei o curso de Artes Plásticas muito completo. Diverti-me imenso e descobri-me enquanto artista. Passados estes anos, já depois de ter concluído o mestrado em Produção e Realização Audiovisual, sinto que deviriam ter sido introduzidos conteúdos mais práticos de edição, mesmo tendo frequentado cadeiras como vídeo, fotografia e documentário.
A ESAD teve alguma influência na transformação dessa “outra pessoa”?
Claro! Permitiu descobrir-me, perceber os recantos da minha personalidade, sobretudo num momento tão marcante para um jovem como é a saída de casa dos pais. Fui muito feliz nas Caldas da Rainha. A ESAD é o único estabelecimento de ensino superior na cidade, pela qual nutro um grande carinho. Talvez por isso todos nos sentimos uma família. O sentimento de proximidade é inacreditável. Apercebi-me disso mal cheguei à escola. Existe um grande espírito de entreajuda, ao contrário de outras instituições onde a competição é, por vezes, elevada. Sinto muitas saudades daqueles dias e noites de trabalho até tarde na escola.
Quando foi a última vez que regressou a Caldas da Rainha?
Já passaram três anos desde que terminei a licenciatura e não perco uma edição do Caldas Late Night. Volto todos os anos porque se vive intensamente o espírito artístico e criativo.
Já a ouvimos falar da infância referindo-se à sua família como criativa. Nessa altura já sonhava ser cantora?
Tenho, de facto, uma família criativa, com muitos músicos. Quase toda a gente gosta de cantar. É natural que a minha paixão pela música tenha emergido desse ambiente. Sempre quis estar no mundo das melodias, ainda que nunca tenha sido uma prioridade. Agora tudo mudou. A música passou a ser a minha prioridade.
Tem um álbum composto por si, mas por falta de apoio ainda não o lançou. Para quando esse álbum?
Esse EP foi feito por brincadeira. As pessoas dizem que não lancei por falta de apoios, mas não é bem assim. Não o quis lançar porque achei que não estava bom o suficiente e não era o timming perfeito. Depois de uma experiência no âmbito do jazz, com os MORHUA e originais em inglês, a música da Isaura despertou-me novamente o bichinho de escrever em português. Espero lançar um single no imediato pós-Eurovisão e começar a trabalhar para um álbum.
Uma carreira a solo é inevitável ou vai continuar associada a outros projetos?
Espero poder conciliar os dois percursos, a Cláudia Pascoal e os MORHUA – fazem parte de mim. Ou seja, tenho necessidade de me repartir entre um lado acústico e sarcástico em português e uma linha jazzística mais agressiva e louca. Preciso das duas dimensões na minha vida.
Que conselhos daria aos jovens que querem seguir a carreira de cantor?
De jovem para jovens: se alguém quer vingar nas artes tem de lutar muito; já passei por muitos castings, toquei muitas vezes na rua, à chuva; o segredo é nunca desistir, combinando talento com o tal espírito combativo. Eis o segredo de qualquer artista.
Planos para o futuro?
Ainda me estou a adaptar a esta nova vida. Neste momento, estou a preparar-me para representar Portugal e é nisso que estou concentrada.
Mas já tem uma ideia do passo seguinte?
Gostei muito de integrar o elenco de apresentadores do programa Curto-Circuito. Ambiciono fazer um pouco a ponte entre a televisão e a internet, sobretudo, junto dos mais jovens. A TV precisa de se envolver mais com as redes sociais. Se houver oportunidade, pretendo criar conteúdos para um projeto deste tipo.
Gostava de deixar uma mensagem ao universo do Politécnico de Leiria?
Recebi muitas mensagens de apoio e um grande carinho por parte das pessoas de Leiria e das Caldas da Rainha. Retribuo esse carinho e agradeço todas essas manifestações de apoio
Entrevista: Maria Coutinho, Marco Marques, Rodrigo Miguel e Rute Vale