Jovens aproximam Leiria e Tokushima

Leiria e Tokushima celebram 50 anos de geminação em 2019. A relação enquanto ‘cidades irmãs’ surge na sequência da relevância histórica que Wenceslau de Moraes adquire no Japão e dos trabalhos que o embaixador Armando Martins Janeira desenvolve sobre o antigo militar da Marinha Portuguesa. Professores e alunos da cidade do índigo têm vindo a reforçar as ligações de irmandade. O Akadémicos acompanhou a sua estadia, procurando projetar com o presidente da Câmara de Leiria, Raul Castro, o 50.º aniversário da geminação.

“Eu quis fazer este intercâmbio porque não sabia nada da geminação entre Tokushima e Leiria”, afirma Yume, estudante de Enfermagemna Universidade de Tokushima. O professor de inglês Donald Sturge já perde a conta ao número de vezes que visitou a cidade do Lis. A lecionar há 12 anos na Universidade de Tokushima, Sturge embarca em mais uma viagem, cujo principal objetivo é dar a conhecer aos alunos japoneses a razão pela Leiria construiu laços com Tokushima.

“A relação entre as duas cidades começou no século passado, quando Wenceslau de Moraes, um diplomata português, veio residir para Tokushima e lhe deu a conhecer a cultura portuguesa”, conta o professor natural do Canadá.

Fukuoka Yoku, docente de japonês na mesma instituição, conhece a iniciativa através de Donald  Sturge,  seu  antigo  professor.  Conta que esteve em Leiria pela primeira vez em 2011, altura em que se formaliza o intercâmbio entre estudantes e professores dos dois municípios.

Donald Sturg e Fukuoka  Yoku  apostam  em  fomentar  a  troca  de  experiências  e  a  aproximação  de culturas.  Essa ambição motivou a viagem de cinco alunos da Universidade de Tokushima,Hinako,  Yume, Atsu,  Takumi  e  Sakuri.  Frequentam licenciaturas distintas e não se conheciam antes do intercâmbio.

“A professora Yoku falou-me do programa e pensei que seria realmente interessante participar”, afirma Hinako, estudante de Farmácia.  Dentro do grupo, a jovem de 20 anos é a única que tinha conhecimento da relação entre as duas cidades. Atsu, por exemplo, soube dessa ligação intercontinental através do convite que lhe foi feito para integrar o grupo.

A estadia em Leiria envolveu atividades culturais e académicas organizadas conjuntamente pela Câmara Municipal de Leiria e Politécnico de Leiria.

Portugueses dos afetos

A deslocação a Portugal evidencia algumas particularidades que em muito diferenciam a vida e a cultura dos dois países. Takumi, de 20 anos, estudante de Política, logo repara que os preços são mais baixos em Leiria, comparativamente a Tokushima.  Mas o que mais chama a atenção do grupo é a gastronomia e afetividade dos portugueses. Os doces tradicionais e o caloroso acolhimento preenchem o imaginário de quem não fica indiferente às brisas do Lis e ao convívio com os leirienses.

Takumi e Yume vão sentir falta das iguarias leirienses quando voltarem para casa, mostrando-se, ainda, surpreendidos com a recetividade do Politécnico de Leiria. “A qualidade da comida é bastante boa, especialmente a pastelaria regional, e as pessoas são muito amáveis”, comenta com um sorriso a futura enfermeira Yume.

Se todos os alunos concordam que os portugueses são muito acolhedores, a mesma lógica também se aplica quando dizem que os estrangeiros são melhor recebidos em Portugal do que no Japão.  Hinako afirma que “os japoneses são mais tímidos e não falam com estranhos, enquanto os portugueses são mais extrovertidos”.

O bom acolhimento e o interesse demonstrado pelo Politécnico de Leiria constitui, aliás, uma forte razão que motiva Sturge e Yoku para o prosseguimento do intercâmbio. “A boa disposição e o otimismo de todos os que nos recebem nesta cidade fazem com que queiramos voltar de ano para ano e proporcionar aos nossos alunos novos experiências culturais e, quem sabe, laços de amizade”, refere Sturge.

 

 

 

 

 

 

 

A cidade do azul

A província de Tokushima é rica e recursos naturais e a economia depende muito da agricultura e pescas. O cultivo de índigo e a produção que lhe está associada nasce no século x, potenciando a economia de uma região que atualmente já está mais colonizada por um tecido sintético de cor semelhante, a ganga.

Em 2014, Isamu Akasaki, Hiroshi Amano, da Universidade deNagóia, e Shuji Nakamura, ex-aluno da Universidade de Tokushima, receberam o prémio Nobel da Física pela criação dos LED azuis nos anos noventa (na sigla em inglês para light emitting diodes).

O professor deinglês relembra que esta descoberta inicia a “Revolução da Tecnologia LED”, numa altura em que ainda só tinham sido descobertas as cores amarela e magenta.  A cor azul possibilita a reprodução das luzes LED em várias cores.

Portugal no Oriente

Raul Castro considera Wenceslau de Moraes uma personalidade imprescindível no processo de geminação, uma vez que introduz e divulga o quotidiano japonês àEuropa através dos seus livros.  O presidente da Câmara de Leiria recorda o impacto e a admiração que Moraes suscita, no início do século XX, junto dos japoneses, motivando estudos mais aprofundados sobre a sua figura pela mão do embaixador português naquele país, Armando Martins Janeira.

Mais tarde, à luz desses trabalhos, Governo Civil de Leiria recebe um ofício do Ministérios dos Negócios Estrangeiros pedindo o seu empenho para uma eventual geminação com Tokushima.  A ligação concretiza-se a 5 de setembro de 1969. “A primeira geminação que é feita pelo Município de Leiria é precisamente com Tokushima”, refere o autarca.

Uma relação à distância que promove a visibilidade de ambas as culturas

A ligação entre as duas cidades tem sido consolidada com várias iniciativas envolvendo as forças vivas dos municípios.  Algumas atividades dinamizadas passam por concursos de desenho e intercâmbios de aluno entre os estabelecimentos de ensino, a promoção de eventos de cariz cultural e o reforço de contactos ao nível empresarial.  Trata-se de iniciativas que visam promover o conhecimento das duas culturas e acabam por ter repercussões nas ligações comerciais.

Raul Castro destaca que há mais empresas leirienses a exercerem atividades comerciais com empresas japonesas por via do acordo de geminação. E acredita que esse estatuto é uma via que pode contribuir para o “diálogo entre diferentes comunidades e instituições, consolidando o desenvolvimento de uma cultura de paz e tolerância, fundada numa premissa de progresso e de princípios humanistas”.

“Fruto desta política, Leiria é cada vez mais conhecida além-fronteiras, pela sua história, cultura, dinamismo empresarial, pela sua gastronomia, bem como pelo bom acolhimento que oferecemos a quem nos visita”, acrescenta. A geminação entre Leiria e Tokushima, em particular, tem criado uma dinâmica de envolvimento da população de ambas as comunidades, em especial entre as camadas mais jovens, o que permite a construção de pontes para o presente e para o futuro.

Existem, porém, obstáculos que não raras vezes perturbam essa ligação intercontinental.  Como  afirma  Raúl  Castro,  a  distância  e  as  elevadas  despesas  de  deslocação  não  permitem  uma  maior  dinâmica na  troca  de  experiências  no  âmbito  da  cultura  e,  inclusivamente,  do  desporto:  “Apoiar,  por  exemplo,  a viagem  de  uma  coletividade  cultural  leiriense  para atuar em Tokushima é uma despesa que tem de ser muito ponderada”.

O futuro da geminação

O estreitamento da ligação entre Leiria e Tokusima passa pela aposta em iniciativas concretas que envolvam a comunidade e que possam trazer benefícios para ambas as partes.  Ainda que o elemento financeiro seja fundamental, existe a vontade de promover todos os anos a viagem de um grupo cultural à cidade irmã.

“Temos de ir mais além do que as meras cerimónias  oficiais  e  passar  para  o  terreno,  com  o  envolvimento  dos  agentes  da  sociedade  civil  em  áreas  tão diversas  como  o  associativismo,  o  ensino,  a  saúde, a  cultura  e  a  economia”,  assegura  o  presidente  leiriense.

Em 2019, Leiria e Tokushima irão comemorar 50 anos de geminação. “Não há ainda nada em concreto.  Apenas ideias cuja viabilidade necessita de ser discutida”, afirma Raul Castro.  O novo embaixador do Japão em Portugal, Jun Niimi, foi recentemente recebido pelo município de Leiria. O objetivo é claro: organizar conjuntamente o 50º aniversário.  Ainda não  sendo  possível  adiantar  informações  sobre  uma efeméride  cujo  programa  está  em  elaboração,  Castro  assegura  que  um  dos  principais  objetivos  será  o fortalecimento dos laços de amizade que se têm vindo a desenvolver ao longo dos tempos.

Texto: Adriana Silva, Ana Palheiro, Andreia Rodrigues e Catarina Rodrigues