Elsa Mendes: ‘O cinema tem de entrar na escola pela porta principal’

Com formação em História, História de Arte e Estudos de Cultura e de Literatura, Elsa Mendes acrescenta ao seu o currículo o cargo de coordenadora do Plano Nacional de Cinema (PNC). Promover o cinema enquanto forma de arte, incentivar ao visionamento de obras de referência e também à criação artística são os principais objetivos do Plano que, em parceria com o projeto ‘Leiria
dá um filme’, promovido pela Autarquia, tem vindo a envolver alunos e professores das escolas da região.

Como caracteriza a presença do cinema na Escola e entre os mais jovens nas últimas décadas?

Posso falar a partir da experiência que vamos tendo nas escolas e de facto nos últimos anos há uma vontade de dar maior visibilidade à área do cinema, dar maior visibilidade à sua presença. Naturalmente não é tão fácil quanto possa parecer, porque o cinema, embora esteja mencionado no currículo a propósito de todas as medidas educativas que estão no terreno, não é propriamente uma disciplina, portanto aparece na escola de forma indireta. O cinema sempre foi uma arte considerada de entretenimento. Considero que os jovens conhecem o cinema fundamentalmente porque vão ao cinema, porque veem um certo tipo de cinema, que é o cinema de entretenimento. Todos vemos, e não apenas os jovens. Temos menos contacto com o chamado cinema de autor.

Em que consiste o Plano Nacional de Cinema e quais são os seus objetivos?

O PNC existe na lei desde 2013. É também um projeto que não pode ter a mesma implementação que tem, por exemplo, um Plano Nacional de Leitura, porque o livro está naturalmente dentro da escola, o cinema é indireto. Tem vindo a crescer e apareceu com dois objetivos básicos, a formação de públicos jovens para o cinema e formação de professores e de alunos na área. Promovemos um programa de exibições de cinema gratuitas para escolas, preferencialmente em sala de cinema. É uma prioridade levar os jovens a estes espaços, porque hoje proliferam formas alternativas para assistir a filmes. Considero-as positivas. No entanto, o cinema foi inventado para um contexto de visionamento em salas com características especiais, exclusivamente pensadas para aquela forma de exibição de arte. Outra linha do Plano Nacional de Cinema é tentar juntar instituições da área da cultura e da área da educação que estejam interessadas na promoção do cinema e que possam ajudar as escolas nesse sentido. Para isso, promovemos formação de professores e tentamos aproximar os jovens do cinema, não apenas enquanto forma de arte que podem consumir, mas levá-los também à produção.

Pensar a cultura e a educação como eixos de governação pressupõe assumir o cinema como uma prioridade política?

O Plano Nacional de Cinema é um projeto que envolve três instituições públicas: a Direção-Geral da Educação, o Instituto do Cinema e do Audiovisual e a Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema. Para que seja possível o visionamento dos filmes em contexto escolar é necessário agilizar não só a escola, mas também uma cópia da obra a exibir, fornecida pela Cinemateca Portuguesa, que regularmente requer a autorização de um conjunto de pessoas devido à questão dos direitos de autor e de exibição. Produtores, distribuidores, autores, que frequentemente são sensíveis à ideia, acabam por disponibilizar gratuitamente a possibilidade da sua obra ser exibida no contexto do Plano. Neste momento, o Ministério da Educação tem inúmeras prioridades no terreno, o projeto de autonomia e flexibilidade para as escolas, onde o cinema pode entrar, o projeto da educação nacional para a cidadania, onde o cinema pode ser complemento enquanto poderoso instrumento de auxílio, e ainda o projeto de educação inclusiva, em que as escolas devem centrar a sua ação na sua capacidade de incluírem todas as diferenças. O cinema entra por aqui.

Existe alguma relação entre um plano de literacia para o cinema e um plano de literacia para os media?

Claro que sim. O cinema está mencionado no Referencial da Educação para os Media. O universo dos media é muito vasto e, neste, o cinema acaba por ser secundário. Pretendemos dar visibilidade ao cinema enquanto forma de arte. As questões específicas do cinema prendem-se com a transmissão artística. Gosto de pensar nesta vertente artística enquanto uma entidade autónoma dentro do campo dos media. No entanto, existe um diálogo óbvio, no qual temos mais consenso do que divergência.

O programa abrange vários ciclos de ensino, quais são? Como foi aplicado o programa ao primeiro ciclo?

O projeto quando se iniciou foi pensado unicamente para o terceiro ciclo e ensino secundário, só depois resolvemos alargar, porque percebemos que as escolas estão dispostas em agrupamentos e, portanto, estão representados todos os ciclos de ensino. Regra geral, são os docentes de terceiro ciclo e secundário que trabalham o cinema nas suas disciplinas, são eles que continuam a ser a maior percentagem de participantes.

Como se dá a criação de uma lista de filmes de referência?

A lista geral de filmes é unicamente um filtro, não podemos interpretá-la como algo fechado, não funciona como um catálogo de consulta e não tem de ser seguida à risca. Pela nossa experiência, podemos afirmar que os professores sabem o que exibir, portanto se as escolas querem mostrar outros filmes ligados a determinados assuntos que estão a ser abordados na escola, perfeito. Os filmes não podem estar todos na lista. A principal preocupação da lista é que os professores se apropriem da ideia de que há uma História do Cinema, de obras emblemáticas da História do Cinema, que não são exclusivamente de ficção. Outro critério que temos considerado é a classificação etária por ciclos. Todos os filmes, quando são lançados nas grandes telas, já passaram pelo Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC) que previamente os classifica.

Vê algumas resistências por parte dos docentes aos objetivos do Plano Nacional de Cinema?

Há ainda pessoas e, consecutivamente professores, que não consideram o cinema no mesmo plano de outras formas de arte. É ainda visto na perspetiva de entretenimento. Com essa visão, o cinema não representa a mesma credibilidade que outras formas de arte que já estão entrosadas nos currículos pedagógicos e até mesmo na nossa mentalidade. No que toca à prática, há projetos no terreno maravilhosos. O feedback final acaba a ser positivo.

Em que âmbito ou unidade curricular se integra o Plano Nacional de Cinema?

Entra em todas. Quando fazemos ações de formação estão presentes professores de todas as áreas
disciplinares. Há excelentes cinéfilos na área da Educação Física, por exemplo. O cinema estabelece cruzamentos com todas as áreas do currículo.

Existem outras iniciativas do PNC que não somente o visionamento de filmes?
É nosso sonho envolver crianças e jovens na produção. Isso implica investimento e uma conjugação
de esforços. Começam a aparecer projetos dessa índole, Leiria, por exemplo, está com um projeto na área da Literacia Fílmica surpreendente, pois conjuga o que realmente é necessário, a felicidade de ter um museu quase único no país nesta área da imagem e movimento (m|i|mo), depois existe a Escola Superior de Educação com cursos específicos nestas áreas mediáticas, e há uma autarquia interessada, e que acaba por liderar o projeto “Leiria dá um Filme”. Para além destes fatores, há também um centro de formação contínua de professores interessado, equipamentos culturais e vários espaços de exibição cinematográfico. Leiria é um bom exemplo de como um projeto nesta área pode dar os primeiros passos. É maravilhoso ver crianças do segundo ciclo pegarem em câmaras de filmar e serem envolvidas no processo de criação artística, normalmente elas adoram e aprendem uma série de métodos. Digamos que estou a falar da área de utopia do Plano Nacional de Cinema por assim dizer, é aquilo para que queremos evoluir.

Considera importante transformar a cultura fílmica numa unidade curricular?

Sim, sim e sim! O cinema tem de entrar na escola pela porta principal. Vão continuar a existir projetos que são de cineclubes, de associações não lucrativas, que são muitos bons, porque fazem um trabalho de elevada qualidade. Há que estimular estes projetos, contudo acho que é importante que
algumas escolas tenham esta visão e se apropriem do que está na lei e criem de facto esta oferta da disciplina do cinema.

Texto: Beatriz Silva | Catarina Marques | Luís Pedro