Rui Marques, 56 anos, é presidente do Instituto Padre António Vieira. Empreendedor, gestor e ativista social, conta com inúmeras funções ligadas à área social, institucional e política. É o fundador da revista Fórum Estudante, dinamizou ações de caráter social em Timor-Leste, foi colaborador da Plataforma de Apoio aos Refugiados e ocupou o cargo de Alto Comissário para a Imigração e Diálogo Intercultural. Considera a indiferença “uma doença muito perigosa” e, por isso, procura fomentar uma liderança servidora nas gerações jovens.
Como é que passa da área da Medicina para um doutoramento em Sociologia Económica e das Organizações, passando ainda por um mestrado em Ciências da Comunicação?
Reconheço que é um percurso muito atípico, não é o tradicional, contudo eu sempre fui, e continuo a ser, uma pessoa que se interessa por múltiplos campos do conhecimento. Em certa medida, gostaria de ser um homem do Renascimento, interessando-me por vastas áreas como a matemática, a filosofia, as artes ou as ciências naturais. Considero que o interesse pelo ser humano e a vontade de servir, saber onde posso ser mais útil e cumprir o meu papel enquanto cidadão, é a linha comum entre estas experiências académica.
Quando é que começa a envolver-se em questões ligadas à imigração, ao problema das minorias e da inclusão social?
De uma forma mais objetiva, foi com o cargo de Alto Comissário Adjunto para a Imigração e Diálogo Intercultural, em 2002. Esta oportunidade surgiu por convite, no final do meu período de voluntariado em Timor-Leste. Trata-se de uma função do Estado Português, que tem como responsabilidade o desenho das políticas públicas de acolhimento e integração de imigrantes na sociedade portuguesa. Foi a partir dessa altura, apesar de depois me ter mantido ligado ao tema.
Quais foram os motivos que levaram à fundação da Fórum Estudante e, mais tarde, da Fórum Multimédia?
Estamos a falar dos finais dos anos 80, de uma realidade muito diferente da de hoje em termos de suportes de comunicação. É a era pré-internet, pré-telemóvel e outros dispositivos congéneres, bem como uma era pré-atenção que o ensino superior dava aos suportes informativos sobre a oferta formativa que tinha. Estavam muito habituados a que os estudantes fossem ter com eles e eles não tinham de fazer nada. Cada vez que se colocava a um estudante o desafio de escolher o curso, a escola e a profissão, a informação disponível era muito pouca. Éramos estudantes e achámos que era necessário criar uma revista sobre cursos, escolas e profissões, de forma a facilitar o acesso à informação. Assim nasceu a Fórum Estudante em 1991. Depois foi evoluindo, englobando novos canais de comunicação, recursos que respondessem às diferentes necessidades. Trinta anos depois, a Fórum Estudante mantém-se ativa, mas as necessidades de hoje são outras. Já não há a escassez de informação que havia. A Fórum Estudante, atualmente, dá resposta aos novos desafios que surgem.
Atualmente, qual sente ser o envolvimento dos jovens com a política e com as questões de cariz social e humanitário?
Eu acho que os jovens, em relação ao seu compromisso social, apresentam uma participação elevada, maior do que há 30 anos. Mas por resultado de um conjunto de vicissitudes face à política do domínio dos partidos e das instituições políticas, hoje há um desinteresse e afastamento maiores, que é preocupante e que devemos combater. É fundamental que as novas gerações percebam que é através da política que se define uma estratégia de defesa do interesse comum. Servir a política é essencial. Há um caminho muito grande para cumprir, visto existir uma desconfiança acentuada dos jovens relativamente ao sistema político e às suas respostas tradicionais.
Neste âmbito, qual é a meta que pretende atingir nas áreas de intervenção social com e junto dos mais jovens, nomeadamente com as conferências que realiza nas escolas em nome do Instituto Padre António Vieira?
Trata-se de dar um pequeno contributo, somar uma gota de água a um oceano que é muito grande. Não podemos ter a ambição de mudar o mundo radicalmente, mas podemos contribuir para que cada pessoa encontre o seu caminho enquanto cidadão, e que se possa realizar plenamente nesta consciência de interdependência e relação com o outro. A pessoa tem de saber que não está sozinha no mundo, depende de outros e é responsável por outros. Tudo o que possamos fazer, nos vários momentos de intervenção, nas múltiplas estratégias de comunicação, para que as novas gerações agarrem o mundo que lhes pertence e cumpram o destino que merecem, é um contributo que ética e moralmente somos chamados a dar. Trabalhamos para inspirar, abrir caminhos de reflexão e animar para a ação. Estas são dimensões importantes e que temos em muita consideração.
Um dos seus grandes eixos de intervenção é na Academia de Líderes Ubuntu. Quais são os objetivos desta organização?
Ubuntu quer dizer: eu sou porque tu és. Ou seja, eu só sou pessoa através das outras pessoas. Com esta metodologia de educação não formal, procuramos capacitar jovens com potencial de liderança para um modelo de liderar para servir, uma ética de cuidar do outro e de si próprio, bem como para ajudar a construir pontes. O mundo hoje precisa de homens e mulheres que se empenhem em construir pontes numa sociedade que se encontra muito fraturada, quer por muros quer por grandes abismos. O espetro de desigualdades atual precisa de alguém que trabalhe para desenvolver uma maior equidade. Com a Academia Ubuntu, formamos e apoiamos os jovens para que levem a sério o nosso mote, enquanto corresponsáveis e cuidadores de toda a comunidade, concretizando uma efetiva transformação social.
O que é liderar para servir?
É ter em atenção que existe liderança no sentido de inspiração e mobilização, onde juntar energias, recursos, inteligência e memória deve ser, essencialmente, um ato de serviço em que o líder não está focado nas suas necessidades pessoais e no seu egoísmo, mas sim no serviço à comunidade, no bem comum. Isto é praticado num espírito de honestidade.
Quais são as características que considera essenciais num jovem empreendedor?
Primeiro, ser imune ao vírus da indiferença. É uma doença muito arriscada e perigosa. Creio que há muitas pessoas que se deixaram tomar por esse vírus e são totalmente indiferentes ao que acontece no mundo. Por outras palavras, é preocupar-se, estar conectado ao seu território e contexto e ter a determinação de encontrar novos caminhos para resolver velhos e novos problemas. Um empreendedor caracteriza-se por ser alguém que não fica sentado à espera de que alguma coisa aconteça, que não tapa os olhos face à realidade e que decide, com aquilo que tem, com aquilo que sabe e com aquilo que pode, criando respostas e soluções novas.
O que enunciou está intimamente ligado à inovação social. O que significa este conceito, que tem vindo a ser cada vez mais referido?
Esta metáfora nasce muito do papel que a inovação teve na área científica e tecnológica ao produzir grandes desenvolvimentos na humanidade, impacto económico e desenvolvimento empresarial. A mais valia deste tipo de inovação é acrescentar valor aos processos de produção industrial, de serviços através do valor acrescentado de soluções inovadoras. Começou a ser óbvio que se isso acontece com a economia, porque é que não acontece com os problemas sociais mais importantes, designadamente a pobreza ou a exclusão social? Porque é que não usamos a mesma dinâmica aplicada à busca por ideias novas, passíveis de serem transformadas em serviços, produtos, ações concretas na esfera social? Hoje há excelentes exemplos de projetos que souberam inovar para dar resposta a grandes desafios da humanidade.
Apesar das semelhanças entre a inovação económica e a social, que critérios devem ser considerados para perceber se há ou não inovação social?
Deve começar-se por perceber se corresponde à existência de um problema que não está resolvido e precisa de uma solução. Segundo, saber qual era a solução mais adequada e mais eficiente para resolver o problema em questão, de uma forma sustentável no tempo. Aqui, surge a dimensão da criatividade, a capacidade de pensar de novo, conjugar de formas diferentes várias peças, reorganizando o conhecimento ao nosso alcance. E a partir deste processo, saber como é que se consegue implementar a ideia de uma forma sustentável no tempo com uma dimensão de medição de impacto na comunidade. O desafio de inovar deve corresponder pelo menos a estes critérios, que são características fundamentais da inovação social.
Qual a relação do conceito de inovação social com o dinheiro? É possível realizar projetos de inovação social com pouco dinheiro ou mesmo sem qualquer financiamento?
É evidente que é sempre necessário mobilizar recursos financeiros para a inovação social. Tal como na inovação científica e tecnológica, quando se financia percebe-se que se está a fazer um investimento que vai resultar em ganhos significativos. Investe-se para ter um retorno maior. Na esfera social, esses ganhos não são necessariamente financeiros. Eu consigo melhorar a qualidade de vida e o nível de felicidade das pessoas e esse não é um valor tangível em métricas financeiras, mas é um valor muito importante. Também há a possibilidade de medir muitos impactos financeiros da inovação social, quando, por exemplo, eu consigo reduzir por via de uma ação que se desenvolve na área da saúde mental, o nível de consumo de medicamentos antidepressivos ou o número de atendimentos em determinadas circunstâncias.
As instituições de ensino superior podem ser agentes importantes quanto se fala em desenvolver processos de inovação social?
Eu creio que são fundamentais, um elemento-chave. Tenho uma grande esperança de que o tecido de ensino superior em Portugal possa assumir esse papel liderante. Por natureza, as instituições de ensino superior são casas do novo conhecimento. É claro que tenho consciência de que existem obstáculos e desafios, pelo que a inovação social ainda é muito nova em termos de agenda pública e das instituições. Ainda é preciso fazer caminho, mas é um ponto fulcral.
O IPAV é parceiro híbrido da Ashoka, uma rede global que seleciona e apoia inovadores sociais. Que resultados tem trazido esta parceria e que metas se procuram alcançar a longo prazo?
É sempre interessante estar atento ao que acontece no mundo. Nós hoje não vivemos numa quinta fechada, num território limitado, vivemos no mundo. Portanto, todas as plataformas onde seja possível aprender, compreender e contribuir para a construção social desse mundo, são plataformas importantes. Cada vez mais, o importante não é o ser individual, mas sim o IPAV enquanto instituição e o caminho que percorre para alcançar metas sustentáveis.
Texto: Carolina Santos
Fotografia: Carolina Santos