Atual diretora da Unidade de Ensino à Distância (UED) do Politécnico de Leiria e também Pró-presidente para a área da Inovação Pedagógica, Isabel Pereira retrata a posição do ensino online em Portugal como resposta à atual crise do Covid-19. Refere que entre práticas de excelência em ensino à distância e “a necessidade de resolver com os estudantes aqui e agora” se situam as realidades de cada instituição, mas acredita que o atual contexto vem aumentar o reconhecimento por esta modalidade de ensino.
De que forma o Politécnico de Leiria começou a preparar-se para a suspensão das atividades letivas presenciais, neste contexto do Covid-19?
Quando começámos a ver o que se estava a passar na China e no mundo pensámos que a situação eventualmente iria atingir-nos. A equipa da presidência e a Unidade de Ensino à Distância (UED) começaram a preparar um conjunto de recursos que pudessem vir a ser úteis em caso de necessidade. Como todas as instituições, tivemos de elaborar, até 16 de março, planos de contingência, relativamente a muitas dimensões, tais como refeições, dormidas e espaços isolados. A equipa da UED tinha também um conjunto de recursos preparados, caso fosse necessária a passagem para o Ensino à Distância. Alocámos um conjunto de recursos que podem ser usados por professores. Já temos alguma experiência e uma estrutura com trabalho consolidado. Sentimo-nos capazes. Até agora temos conseguido fazer essa transição de uma forma relativamente pacífica e consistente.
O aumento de utilizadores das plataformas online provocou algum tipo de constrangimento?
Tivemos, na semana em que começámos a trabalhar à distância, um aumento de 444% de entradas na plataforma Moodle, relativamente à semana anterior. Já prevíamos este aumento. Isto fez com que, em articulação com os serviços de informática do Politécnico de Leiria, tivéssemos de pedir mais espaço de memória nos servidores. Até ao momento, não houve problema nenhum, exceto alguns pontuais, que foram rapidamente resolvidos.
Como se alterou a realidade do Ensino à Distância, tanto para o Politécnico de Leiria como para outras instituições, ao longo desta crise de saúde pública?
O povo diz que a “necessidade aguça o engenho” e, quer as instituições como a nossa, que têm um serviço dedicado a este tipo de trabalho, quer as outras, que não têm serviços, mas têm pessoas, tiveram de encontrar uma forma de pôr as coisas a funcionar. Através dos recursos mais micro, que são os professores e os estudantes, todos tiveram de encontrar uma resposta para esta realidade, seja usando o sistema de email, Skype, WhatsApp, o Colibri Zoom, ou outra plataforma. Nem todas as instituições têm prática em ensino online e agora há que ter o cuidado de aproximar o excelente modelo de Ensino à Distância da necessidade de resolver com os estudantes aqui e agora. Algures entre estes dois polos estão as práticas de cada instituição. Umas mais suportadas por serviços, como no nosso politécnico, por exemplo, outras menos suportadas e a viver mais daquilo que são as experiências dos professores.
Qual a situação mais complexa que foi necessário resolver?
Foi logo no dia 16, quando aumentámos a nossa capacidade de memória no servidor. Mesmo depois do aumento de memória, a plataforma não estava a responder. O sistema estava entupido com perguntas, os professores queriam enviar mensagens e não conseguiam. Mas felizmente conseguimos identificar e resolver o problema em menos de meia hora. Atualmente, a plataforma está com uma velocidade de resposta de 0,03 segundos. Quando demora um segundo, já consideramos lenta.
Quantos profissionais estão envolvidos neste processo? Que funções desempenham?
A UED tem uma equipa com competências diversificadas. Contamos com engenheiros informáticos, programadores, gestores de sistema e de segurança. Trabalhamos com a direção dos serviços de informática e temos assegurada a componente pedagógica, que ajuda a construir os cursos. Um curso desenhado para online não pode ser igual a um curso presencial. Temos um designer que trata da imagem gráfica da plataforma, designers instrucionais e, ainda, quem faça o atendimento telefónico. A equipa está ativa durante 24 horas, sempre em comunicação. Estamos a ser capazes de dar assistência técnica e pedagógica.
Qual o feedback da comunidade académica em relação à mudança de metodologia?
Tenho cerca de 40 anos de serviço e acho que agora, pela primeira vez, tudo me surpreende pela positiva, tudo, tudo. Temos 13 mil estudantes e cerca de mil professores. Até ao momento têm-nos sido reportados alguns problemas. Obviamente não somos perfeitos, mas eu também tenho o feedback das diferentes escolas, em que muitos professores dizem: “Nunca tive tantos estudantes nas aulas”. E, de facto, verifica-se que os alunos assistem às aulas. Tem havido uma grande adesão. O Politécnico tem, neste momento, todos os seus recursos humanos e técnicos a trabalhar, a encontrar respostas. Isto é de uma maturidade, profissionalismo, de uma vontade para fazer acontecer, que tem de se louvar. Todos estão a adaptar-se à sua maneira. Acho que é a melhor resposta que uma instituição pode ter. Claro que, do ponto de vista dos alunos, alguns professores são melhores do que outros, como é habitual, mas no geral, há uma boa resposta. Estou verdadeiramente contente. Agora, não sou lírica, há avaliações que ainda estamos a fazer e problemas que vão surgir. Estamos a trabalhar num plano de contingência, para encontrar vários cenários para as épocas de avaliação.
Quais as consequências nas avaliações se esta situação se prolongar?
Neste momento, em todas as escolas, os diretores e os coordenadores de curso estão a fazer o levantamento dos problemas e das potencialidades. As avaliações não são um “pronto a vestir”, ou seja, não há apenas uma forma de as fazer. Obviamente temos vários desafios. Um deles é que não podemos transpor para o online toda a lógica de funcionamento presencial. Por outro lado, também há formas de funcionamento e referentes de professores e de estudantes que não se alteram em semana e meia. É necessário encontrar alternativas. Por isso, muitos programas estavam já aprovados, com determinada lógica, e agora estão a ser adaptados. Não lhe sei dizer como vai ser em maio, mas estamos a trabalhar no sentido de encontrarmos soluções equilibradas.
Considera que a maioria das instituições de ensino superior em Portugal estão ao mesmo nível em relação ao Ensino à Distância?
Não, não estão. Algumas não possuem infraestruturas criadas com essa intencionalidade. É preciso que cada instituição tenha infraestruturas que deem suporte. É este o fator crítico, a sustentabilidade deste tipo de práticas. Tenho consciência de que por muito bom que eu ache que tenha sido este primeiro momento, o que é crítico é depois a sustentabilidade no
tempo. Ou seja, manter este tipo de adesão dos dois lados. Sem estrutura, só com base na boa vontade do professor que sabe um bocadinho de Zoom e de outras plataformas, haverá quebras mais para a frente.
Qual o posicionamento do Politécnico de Leiria?
Na passada sexta-feira tive uma reunião com pessoas de diferentes universidades e politécnicos e senti-me extremamente confortável. Senti que pudemos dizer aquilo que para nós é o óbvio, pois existe uma Unidade de Ensino à Distância desde 2008. Isto dá-nos tranquilidade. Também nos põe desafios e exigências, pois temos a necessidade de fazer mais do que quem não tem este tipo de estrutura.
Quais as razões para que, durante muito tempo, a Educação à Distância tenha sido um sector com falta de identidade e, até mesmo, conotado
com preconceitos?
São múltiplas. Há razões técnicas e humanas. Há uma mudança de paradigma grande, desde logo porque exige que os nossos referentes mentais se alterem. Há professores que não equacionam mudar os seus métodos de ensino porque sempre funcionaram bem. Considero este pensamento legítimo. Existe uma espécie de conforto que, em última análise, transmite segurança. Agora, isto é o mundo. E o mundo faz apelo à velocidade. Efetivamente, o professor tem de estar atualizado, é sua obrigação. Portanto, a mudança vai acontecer. Agora, não nos podemos esquecer que também é importante respeitar, de alguma forma, o espaço
emocional dos atores, sejam professores ou alunos. Ou seja, estamos a ver que a tecnologia pode ser utilizada na sua forma mais tradicional. Em alguns casos, está a usar-se o Zoom para dar as aulas entre as 17:00 e as 18:00, a transpor para o online aquilo que é o funcionamento do presencial. Se me perguntarem, não é a forma perfeita, mas é, em algumas situações, a forma possível, porque as emoções e as tecnologias precisam de se enamorar. Se não estamos confiantes, não usamos.
Como pode o Ensino à Distância oferecer tecnologias e métodos ao sistema alargado de ensino superior e como se liga à Inovação Pedagógica?
Os teóricos dizem que é muito importante esta dinâmica do ensinar e do aprender. Mas, por vezes, é desequilibrada: coloca-se mais ênfase no que o professor faz do que naquilo que o estudante aprende. A dinâmica do online vem dar mais importância à aprendizagem, a estratégias pedagógicas que coloquem o estudante a aprender e não tanto o professor a ensinar. Isto é que faz um aluno ser bom estudante e bem formado. É ótimo porque permite que o aluno, no seu tempo e espaço, faça a construção, os trabalhos, os projetos, as perguntas, responda no fórum, mediante o seu ritmo. No final, estamos, gradualmente, a fazer um recentramento do trabalho pedagógico do professor para o estudante, do ensinar para o aprender.
A partir daqui, que tendências a curto e médio prazo podem ser determinadas?
Penso que, cada vez mais, vamos ter pessoas e professores a reconhecer a importância do Ensino à Distância, mas também vai sobrar para o lado dos estudantes. Este tipo de trabalho é extremamente exigente para eles, porque não implica apenas escutar. O online aumenta a responsabilidade de o aluno construir a sua própria aprendizagem. Os professores também precisam de se adaptar, para criar aquilo que é fundamental no trabalho pedagógico: a confiança. Em suma: as alterações são sistémicas, não estão só de um lado.
Texto e fotos: Bianca Saad | Isabel Roldão | Joana Dias