Se, ao chegar a Figueiró dos Vinhos, se perguntar aos populares se conhecem as Reais Ferrarias de Tomar e Figueiró dos Vinhos, a resposta é quase certa: Não. Mas se se perguntar pelas ferrarias da Foz de Alge, toda a gente conhece.
Hoje em dia, a Foz de Alge tem apenas ruínas do que outrora foi uma influente fábrica de ferro, de onde saíam armas para todo o reino. Nos anos de maior precipitação, ninguém as consegue ver, apenas os locais sabem que elas lá estão. Nos anos de maior seca, ficam à vista de todos.
Atualmente, pertencem ao município de Figueiró dos Vinhos, mas uma visita às ruínas parece mostrar que estão ao abandono. Localizadas no leito do rio Zêzere, as histórias da antiga fábrica pertencem apenas ao imaginário dos seus visitantes. Memórias passadas de geração em geração. Margarida Herdade Lucas, professora de História, recorda-as pela importância que estes edifícios tiveram no concelho e na História de Portugal.
Portugal e Figueiró dos Vinhos do século XVII
Durante sessenta anos, Portugal foi governado por Espanha, no que ficou conhecido como a Dinastia Filipina. Durante este período de tempo, o país comprava todo o tipo de armas aos espanhóis, algo que viria a acabar quando, em 1640, Portugal recupera a sua independência.
Na região Interior Centro do país, encontra-se Figueiró dos Vinhos e as vilas envolventes, localização estratégica no século XVII, com uma grande influência a nível nacional, através da sua riqueza de recursos naturais. À custa disso, testemunhou uma forte evolução económico-social e política, que se verificou até aos anos cinquenta do século XX, quando o litoral do país começou o seu desenvolvimento.
A história das ferrarias
O primeiro alvará das ferrarias data de 1655, em pleno século XVII. Durante este período, estiveram a cargo de Francisco Dufour e, posteriormente, do seu filho Pedro Dufour, com grande importância para o desenvolvimento industrial do país.
Foi durante o reinado de D. João IV e, mais tarde, do seu descendente D. Pedro II, que as ferrarias foram restauradas com a intenção de fundir ali os canhões que eram necessários para fazer frente aos espanhóis, num momento em que Portugal se encontrava em guerra com Espanha, ficando apelidada de Guerra da Independência (1640-1668).
Contudo, a nomeação de Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido Marquês de Pombal, não foi bem vista por estes lados. Ao assumir o cargo de primeiro-ministro, Marquês de Pombal decidiu encerrar as ferrarias, pois tinha projetado, com o governador de Angola, a criação de umas grandes fundições nesse país. Porém, faltava um elemento essencial: os mestres fundidores. Margarida Lucas refere que o Marquês de Pombal colmata essa falha “levando-os à força [de Figueiró] para Angola”.
Assim, as ferrarias ficaram abandonadas à sua sorte até ao reinado de D. Maria I. Forte opositora das ideias e políticas do Marquês de Pombal, decide reabrir as ferrarias. Margarida Lucas considera que a rainha as terá visto como “uma mais-valia para a indústria portuguesa”. Durante o seu reinado, D. Maria I nomeia José Bonifácio de Andrade e Silva como Intendente Geral das Minas e Metais do Reino. Com uma vasta experiência na área, pois era professor na Universidade de Coimbra, viajou pela Europa, nomeadamente por França e Alemanha, para poder aprofundar conhecimentos nesta área.
Foi então que José Bonifácio de Andrade e Silva verificou que o processo da fundição do ferro em Portugal estava em atraso. Era preciso voltar para renovar as ferrarias e fundições que haviam sido encerradas pelo Marquês de Pombal. Nessa altura, o Intendente decide contratar dois prussianos, o Barão de Eschwege e Frederick Varnhagen, para refazerem os fornos que se encontravam danificados devido ao tempo de paragem. Ambos vêm trabalhar para a Foz de Alge, ficando assim como responsáveis pela reconstrução. Tudo isto teve sucesso até 1806, permitindo a construção de dois fornos de maiores dimensões. Como recompensa, oferecem à vila uma cruz em ferro que está localizada na sua antiga entrada.
Da Europa soavam notícias de que as Invasões Francesas chegariam a Portugal e, por isso, o ferro era uma matéria fundamental nesta luta, nomeadamente para a construção de armas de tiro e canhões. “As invasões foram profundamente devastadoras para todo o país”, conta Margarida Lucas. É durante esse período que o rei decide fugir com a família para o Brasil e, com ele, foram também técnicos portugueses, como Eschwege e Varnhagen. Assim, as minas de fundição voltaram a ficar abandonadas. À chegada ao Brasil, o rei aproveita a ida dos técnicos para construir lá umas minas iguais às de Figueiró.
Em 1886, Eschwege regressa a Portugal e resolve reabrir as ferrarias. Apesar de ficar encarregado de voltar a reconstruir as fundições, estas nunca mais voltam a ter a importância de outros tempos.
Trabalhar o ferro
O ferro era minerado em minas de superfície da região. Trazido até a Foz de Alge, era lá feita a fundição do ferro através de um sistema complexo.
Portugal estava atrasado em relação à restante Europa, principalmente na indústria. Desde a Revolução Industrial que Inglaterra usava o coque (carvão mineral) para a fundição do ferro, num processo que demorava muito menos tempo do que o método usado pelos portugueses. Em Portugal era comum o método antigo, aquecendo os fornos com lenha, um processo que demorava cerca de quatro semanas para atingir a temperatura necessária à fundição do ferro (cerca de mil graus Celsius). Os fornos eram alimentados por matas que ladeavam a fábrica e que pertenciam ao Estado.
A produção destas fundições conheceu três fases. Primeiramente, construíram-se canhões e balas de canhão. Na segunda fase, que coincidiu com o início das invasões francesas, os produtos eram apenas os canhões. Por último, arredadas as causas bélicas, foram feitos artefactos de ferro de alta qualidade. Foi nestas fundições que ganharam forma as janelas do Terreiro do Paço, em Lisboa, e os fogões de ferro do Palácio Nacional de Sintra.
Texto e fotos: Inês Quintas