Daniel Gallant: “As artes oferecem formas de lidar com desafios emocionalmente intensos”

Daniel Gallant está num estúdio de rádio, com auscultadores e em frente a um microfone. É careca, usa óculos e veste uma camisa negra.

Antigo estudante da Columbia University, Daniel Gallant é dramaturgo, ator, professor e produtor teatral, além de palestrante e consultor nas áreas da comunicação digital e do marketing artístico. Criou a Theoria Foundation e foi, durante 13 anos, diretor executivo do Nuyorican Poets Cafe, em Nova Iorque, um espaço icónico fundado em 1973 que promove diversas formas artísticas, e onde ainda hoje permanece como membro da direção. Destacado pelo seu trabalho em diversos media norte-americanos, esteve na ESECS, em Leiria, a realizar um programa de intercâmbio ao abrigo do programa Fulbright Specialists.

O que o motiva a partilhar o seu amor pelas artes?
Cresci numa casa artística, a minha mãe era escritora e o meu pai era ator e cantor. Eles ajudaram-me a compreender a importância das habilidades práticas, mostraram-me como ser um entusiasta das artes. Consegui ver o que significava equilibrar uma carreira prática com uma carreira artística. As pessoas valorizam as artes e o entretenimento em termos de consumo, mas muitos de nós não pensamos que essas sejam áreas nas quais alguém se possa especializar profissionalmente. Tento criar programas educativos que possam mostrar não só a criação dos espetáculos, mas o verdadeiro lado prático das artes.

Como trabalha com diferentes formas de arte, quem inspira o seu trabalho?
Fico mais inspirado quando trabalho com artistas que estão a tentar algo novo ou diferente. Pode ser muito emocionante ouvir um escritor, músico ou um cineasta talentoso falar sobre o trabalho que tem vindo fazer, mas fico mais inspirado quando vejo alguém a assumir um risco criativo, como por exemplo um poeta a tentar um novo estilo que ainda não experimentou. Gosto de trabalhar com artistas que estão no começo da carreira e que ainda não descobriram o que querem fazer.

O que sente quando está no palco a falar com as pessoas sobre arte?
Amo estar no palco e falar sobre o processo criativo com pessoas, coloca-me numa zona emocional muito positiva. Gosto de ajudar pessoas que acham que não são capazes de explorar uma carreira profissional em arte e de lhes mostrar o que realmente conseguem conquistar. Tenho a certeza que muitos profissionais de arte que admiramos também começaram por não acreditar que podiam ser artistas profissionais, que era um caminho impossível de atingir.

Quanto tempo leva normalmente para escrever as suas peças?
O mais rápido que demorei a escrever uma peça foi um dia e o mais longo foram cinco anos. Mas essa resposta seria muito diferente se eu fosse um escritor ou guionista a tempo inteiro. Infelizmente, a dramaturgia não paga o suficiente para fazer apenas isso. Há, no entanto, pessoas que são dramaturgas muito bem-sucedidas e também fazem outras coisas. Normalmente, uma peça de teatro é escrita antes do início da produção, mas já tive de escrever roteiros muito rapidamente, e é por isso que, ocasionalmente, os fiz num dia ou numa semana. 

Como se sente quando aparece nos programas mais conhecidos de televisão ou em grandes revistas e jornais?
É sempre agradável fazer parte de um projeto que é reconhecido nas notícias. Mas considero que focar demasiado nisso às vezes significa que o trabalho artístico em si pode sofrer. Sou sempre a favor de fazer o melhor trabalho possível e, depois, se os media ficarem interessados no trabalho, é incrível, mas acho que é importante isso ser um pensamento extra e não aquilo em que nos focamos.

Que conselhos daria a quem quer começar a trabalhar no mundo das artes?
Não esperes, apenas começa. Mesmo que pareça um pouco difícil, começa a escrever, sobe a um palco para te sentires confortável com o teu trabalho apresentado à frente de pessoas. Isto considerando o lado criativo. No lado prático, começa a fazer voluntariado ou a estagiar, seja num pequeno teatro ou numa produtora. Quanto mais voluntariado fizeres, mais competências vais adquirir.

Como era o seu relacionamento com o Nuyorican Poets Cafe antes de ser convidado para se tornar um dos seus diretores executivos?
É uma instituição incrível e que eu conhecia e frequentava como espectador há anos. Conheço este café como um lugar lendário, mas o que me ajudou a sentir confortável em envolver-me foi ver que o público é, geralmente, muito favorável. Sempre dissemos que nós podemos vaiar os juízes, mas nunca os poetas, e essa foi uma regra importante que me ajudou muito.

Como é que o café trabalhou e se adaptou durante a pandemia?
A pandemia foi incrivelmente difícil. A meio do mês de março de 2020, a cidade [Nova Iorque] cancelou todos os acontecimentos e espaços de arte ao mesmo tempo. Foi um período muito desafiante. Mas os artistas estavam muito entusiasmados em voltar a trazer os seus projetos para o online o mais rapidamente possível, então nós começamos no Zoom. O que agora pode parecer um lugar confortável, na altura era uma ideia maluca. Uma das melhores coisas deste processo é que nós não só estávamos a receber poetas de Nova Iorque, mas também de todo o mundo. As artes oferecem formas de lidar com desafios emocionalmente intensos. De outra forma, estaríamos paralisados.

O que distingue este café dos outros na cidade de Nova Iorque?
A Fundação Theoria, que fundei, sobrepõe-se um pouco ao café. Ambos estão muito focados em usar causas artísticas ou formas de arte para promover causas sociais, políticas e económicas. A ideia de que as artes se devem entreter a si mesmas, mas que também devem ser transformadoras de forma a encorajar as pessoas a repensar os sistemas em que vivem, é um argumento que os artistas do café têm vindo a defender há anos. O café e a organização encontram maneiras pelas quais múltiplas formas de arte podem “falar” umas com as outras. Quando as artes se alimentam umas das outras, todos ganham.

Em 2016, foi um dos dez líderes americanos que receberam a Eisenhower Fellowship. Desta forma, teve a oportunidade de viajar ao Japão e a Espanha. Qual foi a maior diferença que encontrou entre estes países e os Estados Unidos?
Havia muitas diferenças. Na altura, uma das maiores distinções era o facto de que na Espanha e no Japão havia, de um modo geral, mais apoio governamental à programação artística e cultural. Nos EUA há algum financiamento governamental para as artes, mas é uma percentagem muito pequena. As organizações artísticas nos EUA têm de ser muito mais resilientes quando se trata de angariar fundos.

É um especialista em redes sociais, dominando as ferramentas que tornam possível manter os utilizadores, gerir conteúdos pagos e construir comunidades digitais. Pode explicar como é possível aproveitar ao máximo o potencial que as redes oferecem para a gestão de uma empresa ou produto?
Penso que conhecer muito bem a empresa ou o produto é o primeiro passo. É sempre melhor ter alguém que conhece muito bem o trabalho criativo a iniciar o processo de marketing, pois ajuda a que quem vai fazer a promoção do produto ou empresa seja fiel à essência da marca. Ensino também como criar um orçamento para uma campanha a longo prazo. É importante planear como vai ser a programação de conteúdo ao longo de três ou seis meses para que possa existir uma consistência de publicação, criando assim um diálogo com o público da empresa, que se possa sustentar a longo prazo.

E acha que esse é o maior desafio de trabalhar com este tipo de plataformas?
Um dos maiores desafios destas plataformas é a forma como usam a nossa informação, e as leis de privacidade não são poderosas o suficiente para limitar o uso que é realizado por elas. Mas o maior desafio é saber usar estas plataformas para crescermos ou para termos diálogos saudáveis com quem apoia o nosso trabalho.

Pode falar-nos das suas ambições e projetos futuros?
Adoro fazer o trabalho que tenho vindo a fazer com o projeto da Fulbright, que consiste em ajudar estudantes criativos e organizações artísticas a descobrir uma forma melhor de contar as histórias que querem contar utilizando recursos digitais. Fico muito animado para mostrar como as plataformas digitais, como o Instagram, o TikTok e o YouTube, podem ajudar a promover as artes. Criar trabalhos artísticos interessantes, ajudar artistas a criar projetos inovadores, mas também ajudá-los a comunicar esses projetos da melhor forma, são neste momento as minhas maiores ambições.

Texto: Marta Pereira | Nicole Santos | Tiffany Sérgio
Fotos: Catarina Varanda (Centro de Recursos Multimédia – ESECS)