Abílio Febra: “O mundo está cheio de artistas, mas há lugar para todos”

A paixão pela arte surgiu na infância. Abílio Febra iniciou o seu percurso no antigo liceu de Leiria, de onde seguiu para uma licenciatura em Geografia. Após completar o curso, e ao mesmo tempo que lecionava, fazia a matrícula no Centro de Arte e Comunicação Visual, em Lisboa. Desde então, sempre se dedicou tanto ao ensino como às suas esculturas, como a que está na Rotunda das Indústrias que os leirienses encontram todos os dias e que enaltece a indústria do plástico na região.

Como nasceu o seu fascínio pela arte?
São sempre perguntas difíceis no sentido de as localizar no tempo, mas, desde miúdo lembro-me de fazer coisas, inventar coisas. Penso que isso eram, de alguma maneira, manifestações artísticas, agora que olho para trás. Inventava coisinhas que tinham a ver com brinquedos, tinham a ver com outras coisas que eu próprio reinventava. Não eram esculturas, eram peças, eram coisas. Só muito mais tarde é que decidi mesmo enveredar pela via artística. Comecei como escultor, mas sempre fui pintor e agora sou mais pintor do que escultor.

Com que idade despertou em si esse interesse?
Comecei o secundário no Liceu [Rodrigues Lobo] e, mais tarde, decidi fazer um curso superior. Pensei em Belas Artes ou em Arquitetura, que eram na mesma faculdade na altura, mas acabei por me deixar influenciar por diversas pessoas e segui Geografia. A meio do curso de Geografia quis desistir. Achava que era um curso que era pouco mais do que um secundário, e os meus colegas não me deixaram desistir porque eu queria muito passar para a área das artes. Diziam: “Acabas isto e depois segues para a área das artes, então”. E assim fiz. Acabei o curso de Geografia (na altura eram quatro anos de licenciatura) e imediatamente comecei a dar aulas porque esse era o objetivo, ter um fundo de maneio. E logo me matriculei no Ar.Co [Centro de Arte e Comunicação Visual] em Lisboa. É uma escola de artes que tem escultura, tem pintura e tem diversos cursos na área das artes.

Entre a pintura e o desenho qual a atividade que mais entusiasmo lhe suscita?
A parte do desenho. Todo o meu trabalho parte do desenho. Ainda hoje as minhas esculturas têm um registo muito direto do desenho, porque antes de iniciar um trabalho tenho sempre um esboço. Muitas vezes o desenho que me dá origem à pintura também me dá origem às esculturas e depois é uma questão de eu as colocar, no caso da escultura, em três dimensões, mas o desenho é sempre a minha base de trabalho. São desenhos muito informais e, na maior parte das vezes, feitos em guardanapos de papel. Eu gosto imenso de estar a tomar um café, a pensar e a desenhar. Ando sempre cheio de folhas de guardanapos na carteira, às vezes organizo-as depois. É a minha base de trabalho, curiosamente. Às vezes desenvolvo esses desenhos em cadernos. Dou-lhes mais pormenor, acentuo determinadas formas, mas a ideia básica nasce em pequeninos esquissos muito espontâneos.

Tendo em conta que em 2013 deixou definitivamente o ensino público e passou a dedicar-se às artes plásticas, o que o levou a tomar esta decisão?
Eu penso que foi já em 2014, mas comecei a tratar do assunto em 2013. O que me levou a isso foi a necessidade de ter tempo. Eu, como professor, sempre fui escultor, sempre desenvolvi a minha atividade de escultor, mas durante muitos anos procurava horários noturnos na escola para ter mais tempo livre. Nos últimos anos, não conseguia esse tempo e a minha ideia era deixar o ensino. Eu não deixei a escola, pedi a reforma antecipada. Consegui, mas no meu limite máximo, com a penalização que isso implica, e deixei a escola para me dedicar inteiramente à escultura, porque já não conseguia conciliar as duas coisas. Por diversos motivos: porque a escola hoje cada vez mais requer tempo, não tempo letivo, mas tempo, podemos chamar-lhe assim, de “preparação”… eu chamaria outra coisa. Há todo um trabalho de registo que é necessário fazer, trabalho duplicado, muitos projetos, tudo o que faz e não faz, tem de ficar tudo registado. Isso implica muito tempo extra-aulas, muito mais do que antigamente. E eu já não conseguia conciliar.

Visto já ter tido uma certa experiência com os alunos, como é que descreveria a importância da arte na vida dos jovens atualmente?
Tive algumas experiências. Nos últimos anos de professor dava artes no curso profissional de Design de Interiores e Exteriores e tive experiências incríveis com alunos. Aliás, também fui professor na prisão-escola e tinha ateliês de artes com os alunos e, quer num lado, quer noutro, tive experiências fantásticas. Reparei que alunos que não tinham sucesso nas chamadas disciplinas convencionais, nas ditas matemáticas, nas línguas, por aí fora, tinham imenso sucesso nas artes. Na prisão-escola, também tive experiências muito interessantes com reclusos sem qualquer formação a nível artístico. Posso dizer que lá ainda fiquei mais surpreendido, no sentido em que eles chegavam mesmo a superar-me a nível da criatividade. Num lado e noutro, em alunos que não têm sucesso – não estamos a falar de alunos sem sucesso, mas de pessoas que tiveram problemas na sua vida – que chegam às artes, há um abrir do espaço mental que lhes dá espaço para poderem reencontrar-se como pessoas.

Diria então que é uma forma de os jovens se descobrirem?
Sim.

Como é que vê o futuro da participação política dos jovens? Tem alguma ideia?
Tenho. Acompanhando as manifestações que ocorrem, não tenho tanta ligação presente nestes últimos anos com os jovens, mas vejo que estão atentos e que querem muito defender. Sobretudo a nível do ambiente, vejo que os jovens estão atentos.

Como é que as artes influenciam os jovens?
As coisas acabam por se misturar um pouco, mas sim, eu acho que a arte pode influenciar os jovens e ajudá-los. A arte é muito importante. A arte e a filosofia andam muito ligadas. Na minha opinião, ajudam a abrir caminhos e, portanto, a arte pode trazer aos jovens essa abertura. O mundo deixa de ser tão limitado, tão condicionado e acaba por lhes abrir possibilidades, que não têm de ser ao nível das artes.

Como é que os jovens podem promover os valores da cidadania nas suas comunidades?
Se me pedissem para entrar em projetos a esse nível, eu era capaz de pensar em projetos artísticos que, de alguma maneira, os ajudassem a desenvolver as capacidades de cidadania. Acho que é um bocado difícil para mim dizer como é que eles podem fazê-lo, mas a ideia é exatamente usar as pessoas locais em comunidade, o que é cada vez mais difícil porque a sociedade está muito mais individualizada em relação há muitos anos, em que frequentemente se criavam grupos e associações. Se eu olhar para trás, revejo-me na formação de várias associações por onde passei. Para mim, os jovens deveriam juntar-se, não no âmbito de associações ou esquemas mais tradicionais, mas em formas mais contemporâneas, onde eles podem usar as formas de comunicação atuais. Se os jovens se empenharem em questões que têm a ver com eles, em grupo, vão conseguir desenvolver esse trabalho. A cidadania é importante, mas eles também têm de estar despertos para isso. Tem de haver projetos para lhes serem lançados e serem eles próprios a desenvolvê-los.

Considera ser um aspeto positivo, acha que os jovens terão interesse em tal?
Acho que sim. São jovens que vão governar o futuro, com certeza, e eles têm de agarrar essas situações, exatamente.

Onde nasceu este gosto de trabalhar a arte com os jovens?
Posso dizer que desde cedo integrei, por exemplo, grupos de artes. Nunca desenvolvi o meu trabalho de forma isolada e, até hoje, ainda estou integrado em grupos. Juntei-me sempre a outros jovens da minha idade, no início, e hoje que já não sou jovem e ainda faço parte de outros grupos.

Que tipo de outros grupos?
Por exemplo, em Leiria, desenvolvi juntamente com outros jovens na altura, jovens de 30 e tal anos… Para vocês podem não ser tão jovens, mas éramos jovens na altura e havia muita juventude nas nossas cabeças. Curiosamente, e eu não tenho presente em que ano é que este edifício [ESECS] foi inaugurado, quando ele foi inaugurado, foi exatamente com uma espécie de um happening. Aqui no hall de entrada, com um grupo de música jazz e um pintor. O grupo, que se chamava Círculo Arte de Leiria, organizou este evento e trouxe um pintor de Lisboa, que era Artur Bual. Já faleceu, mas na altura era um pintor conhecido por dois ou três elementos e conseguimos trazê-lo cá. Curiosamente, o Politécnico de Leiria tem uma pintura dele aí na parede que descobri há uns anos. Não foi assinada na altura e não sabiam de quem era, e eu consegui identificá-la. Este grupo de que falo, o Círculo Arte, desenvolvia atividades na área das artes, pintura, escultura, fotografia, sobretudo nestas três áreas. Os elementos-base desse grupo, eram doze ou treze, ainda hoje trabalham na área das artes, são profissionais conhecidos, em algumas áreas da cultura.

É um mundo fácil de entrar ou de se estabelecer?
Não, não se entra assim. E agora sou artista e costumo dizer que é um trabalho de ‘sapa’, muito lento. É necessário fazer muito trabalho para ir divulgando, para ir mostrando o que se está a fazer. Só ao fim de muitos anos é que a pessoa começa a ter contactos para poder ir desenvolvendo. Porque um artista, fazendo o seu trabalho e não tendo feedback dele, e o feedback obtém-se quando as pessoas fazem exposições, não consegue arranjar automotivação para trabalhar e um artista tem de ter muita automotivação. Não cria porque lhe apetece, tem de haver uma vontade, um acreditar muito grande naquilo que se está a fazer. E isso faz-se com um trabalho de muitos anos. Sim, é verdade. É difícil de entrar e o mundo está cheio de artistas, mas há lugar para todos. E, curiosamente, quantos mais houver e quanto mais a arte estiver desenvolvida, mais as pessoas aceitam as artes, sejam elas quais forem.

Como é que a educação artística nos sistemas de ensino pode ser aprimorada para melhor atender às necessidades dos jovens?
Pois. A questão passa por trazer também profissionais, pessoas que desenvolvam trabalho. Se estivermos a falar de arte urbana, a falar de coisas que não se ensinam, que não se fazem no ensino tradicional, seria muito bom trazer profissionais às escolas, pessoas que estão a desenvolver esses trabalhos. Estou a lembrar-me muito concretamente da arte urbana, por exemplo. Era muito interessante, mas seria muito difícil, vamos imaginar, trazer um Vhils à escola e fazer um pequeno apontamento. Quem diz um Vhils, diz um outro colega se calhar num patamar mais acessível, não sei. Mas era trazer profissionais às escolas em determinados momentos.


Troféu dos 50 anos do 25 de Abril
A pequena peça em bronze, com 50 degraus difíceis de subir e sem “fim à vista” é, de acordo com Abílio Febra, a representação do que são os 50 anos de percurso árduo da democracia. O escultor, deixa a interpretação aberta para todos os observadores do troféu, que contém mais elementos “suscetíveis de serem interpretados”. Com gosto em criar no meio de pessoas, Abílio fez o primeiro rascunho da peça num café, numa folha de guardanapo, utilizando como inspiração o próprio tema.


Texto e foto: Alexia Vieira | Beatriz Silva | Daniela Oliveira | Ely Costa | Mariana Fernandes