
Atriz e psicóloga, Carla Andrino é bastante reconhecida pelo seu percurso na televisão e teatro em Portugal. Esteve em Leiria, em digressão com a peça Cheque-Mate, uma comédia em torno de um erro bancário e das decisões de quem se confronta com um saldo milionário. Gosta de fazer comédia, mas defende que ser ator é poder trabalhar em diferentes registos.
Desde quando pensou ser atriz?
Desde sempre. Desde sempre que disse que queria ser atriz. Desde que me lembro.
Qual é a aprendizagem mais valiosa que fez no início do seu percurso enquanto atriz?
É a de continuar a ser humilde, que é uma característica que eu tenho. Sou assim e transportei isso para o teatro e para a dança. Ter sempre os ‘pés bem assentes na terra’ e estar disponível para aprender e para crescer.
O que a faz aceitar ou recusar um projeto?
Não vivemos em Hollywood. Não temos três milhões de projetos, em que se possa escolher o que apeteça ou dizer que não. Tenho tido sempre projetos muito desafiantes e gosto de me entregar a eles de corpo e alma. Podia dizer que não se não me identificasse mesmo com o projeto. Nesta fase da minha vida, diria claramente que não, sobretudo, àqueles que me ocupassem muito tempo, porque o tempo para mim é sagrado. Se me roubassem muito tempo, para mim, para a minha família, para o meu marido, para os meus filhos, para os meus netos, pensaria duas vezes.
Trabalha muito em comédia. Qual a importância do humor para si?
É muita, até porque é muito difícil fazer humor. Muito, muito, muito difícil. É muito mais fácil começar a contar uma história e nós emocionarmo-nos e chorarmos do que fazer rir. Portanto, o rir é muito importante e fazer rir é uma magia. É das coisas mais difíceis de fazer, porque tem um tempo, tem um ritmo, tem um tom. Uma piada mal atirada, como nós dizemos, pode não surtir efeito nenhum e uma pessoa fica a sentir: “Não era isto”. Portanto, é um grande desafio fazer comédia.
Se tivesse de viver como uma das suas personagens qual escolheria?
Escolheria todas. Todas elas vivem dentro de mim. Eu dei-lhes vida e elas foram uma aprendizagem, foi uma dinâmica. Eu dei de mim e aprendi com elas. Eu sou essas mulheres todas.
Qual foi o momento em que sentiu que não estava apenas a interpretar uma personagem, mas a tocar profundamente alguém do outro lado do ecrã?
Quando estou a representar não penso nisso, penso em dar vida o melhor que posso e o melhor que sei àquela personagem, à postura, à dicção, à vida interior que eu imagino que ela teria. Depois, é muito gratificante saber e ouvir que tocou, que marcou, que levou, que guardou. Mas eu faço a minha parte e não faço propositadamente para marcar o outro. Faço para dar ao outro. Depois se marcamos ou não é com o outro.
Em representação, o que ainda não fez que gostaria muito de ter oportunidade de fazer?
Há muitas peças que gostava de fazer. Gostava de fazer mais cinema. Há muita coisa. Estou no princípio do resto da minha vida.
Referiu numa entrevista que o facto de no início da sua carreira ter feito comédia a fez ter um “rótulo”. Como lidou com ele?
Eu lidei bem, até ao ponto em que depois queria fazer outro tipo de trabalhos, outros registos. Tirar o “rótulo” foi difícil. Continuei a fazer o meu trabalho, mas não foi fácil. Nem percebo muito bem esta história dos “rótulos”, porque ser ator ou atriz é ter a capacidade de darmos vida a outras personagens. Portanto, por que ‘carga de água’ é que só se pode fazer bem comédia, ou drama, ou ser galã, no caso dos homens, ou ser a empregada, ou má? Isso não faz sentido nenhum. Ser ator é a essência da palavra, é ter esta versatilidade de viver várias vidas. Portanto, esse “rótulo” é muito disparatado, na minha opinião. O ser humano é que tem esta necessidade de “rotular” para nos organizarmos em todas as áreas. São os bons alunos, são os maus alunos, é o mau, é o bom, é o feio, é o gordo. E aqui também. Ela é da comédia, a outra é do drama, a outra é do cinema. Isto são “rótulos” que nos põem. E depois como é que se vive com isto? Continuo com o meu trabalho, mostrando aquilo de que sou capaz. E depois tenho uma ‘estrelinha’ que ajudou a que me tirassem esse “rótulo”. Eu não pus o “rótulo”. Puseram-me e eu ia tirando, mas parecia que estava um bocadinho invisível.
Se pudesse contracenar com qualquer pessoa, com quem seria?
Eu já tive a sorte, ao longo da minha vida, de contracenar com milhares de atores. Mas talvez gostasse de contracenar com a Eunice Muñoz, que já cá não está, mas que me ensinou muito. Nunca tive o prazer. Éramos amigas – como ela me dizia, “a minha nova amiga”. E participou na minha tese de doutoramento. Não contracenei com ela. Ia ser muito interessante e uma bela aprendizagem, com certeza. Mas aprende-se com toda a gente. É ter essa capacidade de aprender com mais velhos, com mais novos, com outras escolas, ter essa abertura para aprender.
Se a sua vida fosse uma peça de teatro como seria?
Seria numa ilha. Poucas pessoas, muita água, muita paz. De repente, foi o que eu visualizei. Depois, não sei o que faria com este cenário, mas seria uma ilha pouco povoada.
Como é que as suas duas profissões de psicóloga e atriz se articulam?
Articulam-se muito bem, complementam-se. Uma acrescenta à outra. Em termos de tempo, é só uma gestão de tempo. Eu costumo dizer que, a seguir aos meus filhos, que foram a minha obra de arte, minha e do meu marido, a coisa que faço melhor na vida é gestão de tempo. Vou dizer uma frase que estou sempre a dizer: “Tenho tempo na vida para tudo, só não tenho tempo para perder tempo”. Gerindo, dá para tudo, dá para fazer o que quero, o que me faz sentido. Mas, sim, complementam-se. São as duas profissões da alma. Psicologia é o estudo da alma e ser atriz também é dar vida e dar alma a personagens. Na psicologia estamos a falar de pessoas reais e aqui estamos a falar de pessoas ficcionadas, que não existem, mas que têm de existir dentro de mim para eu poder dar-lhes vida.

Relativamente à peça que a trouxe a Leiria, o que mais a atraiu quando leu o texto pela primeira vez?
Foi o desafio desta personagem, encontrar esta personagem. Ela depois levou um caminho que eu, no princípio, nem estava à espera. Afinal era mais forte do que eu pensava, mais determinada. Parece que não a vi assim. Foi ao calhas que a descobri, eu gosto de ser surpreendida e vi que era uma comédia. Já a vi muito bem adaptada pelo Henrique Dias e, portanto, pensei: “Uau! Belo desafio que temos aqui”. Surpreendeu-me. Eu gosto de ser surpreendida pelas minhas personagens, gosto de lhes dar alma, mas gosto que elas me “vistam” e eu vou com elas, vou atrás delas.
Cheque-Mate mistura comédia com crítica social. Qual é o maior desafio de equilibrar essas duas dimensões em palco?
A comédia tem muito por base uma crítica social. É pôr de forma mais leve, mais solta e a rir muito da crítica social. É um casamento perfeito, a forma de brincarmos de forma séria, porque a comédia é uma coisa muita séria. Eu ia dizer “palhaçada”, mas não gosto, porque ser palhaço é, para mim, a profissão mais difícil do mundo, porque estão sempre a fazer-nos rir e a brincar quando, às vezes, não é essa a vontade. Portanto, a comédia e a crítica social são o casamento perfeito.
Qual acredita ser a relevância das tournées pelo país?
Levar o teatro a quem não consegue ir aos centros culturais, seja em Lisboa, seja no Porto, seja em Coimbra, do norte ao sul e ao centro, levar, poder mostrar, poder chegar mais perto de pessoas que não conseguem chegar até nós pela distância, pelo dinheiro, por várias condicionantes da vida, é muito gratificante, porque o público adere em força, em massa.
Recebe-nos, acarinha-nos.
Já sabe qual o próximo projeto?
Eu estou a gravar uma novela. Continuo a dar consultas. Mas o próximo projeto, mesmo, agora, é ter tempo. Tirando agora o teatro, fica um bocadinho mais de tempo para respirar fundo, para tirar uns dias de férias, para recarregar baterias, para namorar, para passear, para estar com os netos. Portanto, o meu principal projeto é sempre um projeto de vida, da minha vida pessoal, do meu investimento pessoal, e depois, por acaso, sou atriz e sou psicóloga. O “por acaso” era a brincar, mas é consequência daquilo que eu sou. O que faço é consequência daquilo que eu sou. Aliás, quando dou entrevistas e palestras, começo sempre por me apresentar por aquilo que sou e não por aquilo que faço. Por isso, tenho de nutrir muito bem a Carla, mulher. Não é a mulher do Mário, nem mãe da Marta e do Martim, nem a avó, nem a atriz, nem a psicóloga. Eu tenho de me nutrir, tenho de me alimentar, tenho de ser gentil comigo, para depois poder trabalhar naquilo que me faz sentir bem.
Como gostava que a vissem enquanto atriz?
Genuína, autêntica e generosa.
Se pudesse criar uma personagem do zero como seria?
Como me encontro agora nesta fase da minha vida: muito tranquila, a falar baixo, lento. Gosto muito de estar tranquila. Se eu construísse agora era assim ‘tranquilinha’, tom baixo, zero agressividade, assertividade. Estou a construí-la assim na novela que estou a gravar. Normalmente, eu falo muito, gesticulo, falo alto e falo com a cara toda, e gostava de a construir diferente.
Qual é a mensagem que espera transmitir com o seu trabalho?
Façam aquilo de que gostam. Eu faço aquilo de que gosto. Corram atrás dos sonhos. Era o meu sonho e consegui. Acreditem, porque é possível correr atrás dos sonhos e realizá-los. Que se divirtam e que se emocionem, como eu. Que os outros tenham as emoções que eu também tenho a fazer o meu trabalho.
Que pergunta gostaria que lhe fizessem numa entrevista e nunca fizeram?
Aquela que ainda me vão fazer e ainda não me fizeram.
Texto: Beatriz Carvalho | Cristiana Santos | Joana Margarida Agostinho | Lara Libânio | Marco Duarte
Fotos: Beatriz Carvalho