Pensou em Jornalismo, mas seguiu Direito. Abraçou a carreira de empresário da indústria de moldes, sem esquecer a paixão pela música. Fundou a editora Omnichord Records para dar voz a novas bandas. Hugo Ferreira ambiciona colocar os alternativos acordes leirienses nas bocas do mundo.
Como é que a música se cruza com um licenciado em Direito?
No 12º ano tive um professor estagiário muito interessado pela história da Rádio Universidade de Coimbra (RUC). Relatou-a e disse que passava Mata-ratos. Com amigos, fazia excursões até às Meirinhas para apanhar a RUC e ouvi-la durante uma ou duas horas. A RUC não tinha playlist. Cada pessoa passava a música que lhe apetecia. Queria realmente conhecer a RUC e coloquei em Coimbra todas as opções para o ensino superior. Foi uma experiência que se dividiu entre o curso de Direito e o trabalho na RUC e no jornal A Cabra. Participava nos programas e fazia parte das produções dos palcos secundários das queimas das fitas.
Porquê criar uma editora em Leira?
A minha questão é “porque não?”. Quando voltei para Leiria, a Fade In destacava-se pela qualidade dos concertos que organizava. As bandas de miúdos na casa dos 20 anos, com estilos alternativos, começavam a germinar. Leiria nunca foi uma cidade Pop. Em termos económicos é forte, com pouco desemprego. Há uns anos tinha cinco lojas de música. Agora três ou quatro, além de duas escolas de música e de uma notável concentração de filarmónicas. A Omnichord apareceu porque havia condições para isso. Tem desenvolvido um papel relevante com as bandas jovens. Mas o ambiente que vem de trás é que determina o destino. Poderíamos fazer o mesmo trabalho numa cidade com mais habitantes. Faltaria background e não resultaria.
Consegue identificar um momento marcante aquando do nascimento da editora?
Os Nice Weather for Ducks foram, provavelmente, o marco inicial, porque é uma banda de miúdos. Do desconhecido, faziam música que não se parecia com nada. Se ninguém pegasse neles, iriam acabar como muitas outras bandas de Leiria: a tocar nos terras do concelho sem projeção no mercado nacional.
Pensa expandir o mercado? Para Lisboa ou Porto?
Em termos teóricos é uma perspetiva aliciante. Já houve inúmeros convites. Mas a questão da rentabilidade acaba por falar mais alto. Se esse problema não existisse, podíamos integrar novos elementos na equipa. Neste momento, a admissão de mais projetos poderia representar um défice de acompanhamento aos nossos atuais parceiros. Isso não! Fazia pouco sentido olharmos para um horizonte maior e descurar os projetos em que investimos bastante. Mesmo assim, somos obrigados a estabelecer dois patamares de bandas. O primeiro para aqueles que estão cem por cento focados na carreira. A internacionalização é o objetivo. O segundo mais direcionado para bandas que dividem o tempo entre a música e as diversas atividades profissionais de cada elemento. Para esses, faz sentido um mercado mais interno, do tipo tocar ao fim de semana. A música é apaixonante, mas importa adotar uma lógica profissional.
Tem a preocupação de que as suas bandas de maior sucesso mudem de editora?
Não me preocupa minimamente. A Omnichord Records é uma família, apesar da parte mais formal. Nunca iremos proibir qualquer projeto de crescer mais. Eu próprio procuro alternativas lá fora. Os First Breath After Coma vão ter o disco lançado em vários países por outra editora, e eu incentivo isso. Em Portugal, um editora maior acarreta vantagens e desvantagens. Mesmo com um cachê maior, as percentagens de distribuição aumentam entre agência, de um lado, e management, de outro. São um conjunto de aspetos que passam a ser cobrados e que poderiam ser realizados pela Omnichord. Não vivemos da música, pelo que a nossa posição privilegia, sobretudo, os músicos e técnicos. Todos têm a noção do trabalho e da dedicação que emprestamos aos projetos. Se chegarem a uma multinacional que os meta em todos os festivais do mundo, serei o primeiro a sentir orgulho tremendo e a dizer: começaram aqui.
Como é que o público encara esses novos nomes da música?
Há que ter noção de duas coisas: ou estamos a exportar para emigrantes portugueses, o que é legítimo e um mercado interessante; ou alcançamos um universo novo que terá sempre uma escala mais pequena, mas com grande potencial de crescimento. Lá fora, penso que ainda impera a velha máxima dos dois tipos de música: a boa e a má. Importa, sobretudo, perceber que não temos uma legião de fãs no estrangeiro a recebernos de braços abertos. Apesar de acreditarmos no nosso valor, temos de ter a noção de que ninguém nos conhece. Esse princípio é fundamental e obriga a um trabalho estratégico suplementar de enorme relevância, como falar com o pessoal dos blogues, obter alguns reviews. Custa dinheiro e trabalho.
É correto rotular Leiria como a Manchester portuguesa?
Acho que não. Aliás, o que de mais parecido houve com Manchester numa escala muito pequena foi a Med Baça. A Alcobaça de meados dos anos 90 teve uma série de projetos com uma estética minimamente parecida e com influências do formato Pop, como Combo, Lotto ou The Gift. Apareceu ali tudo bem de repente. Em Manchester havia um paradigma que contagiava as bandas com a mesma base musical, ainda que com diferentes variações. Vinha tudo do beat e da música de dança. Eu aqui não noto isso. Quem ouvir Surma, André Barros e Twin Transistors não diz que são da mesma cidade. A Islândia também conseguiu isso, porque exportou vários géneros musicais sob o signo “Islândia, produto certificado”. Foi um pouco essa ideia que quisemos adotar. Há projetos incríveis que estão a sair pelo próprio pé e que nós queremos apoiar direta ou indiretamente.
Qual a sensação de ver as suas bandas receberem o carinho do público
Incrível! Na editora trabalha-se muito por amor à camisola. E já somos bastantes a integrar esta família. É quase aquela sensação muito próxima do sentimento que o pai nutre pelo filho. É absolutamente indescritível. Uma coisa é ficar satisfeito com algo que acontece, outra é sentir que aquele projeto trabalhado há anos, de manhã à noite, com sacrifícios, mesmo não vivendo exclusivamente da música, está a alcançar os objetivos ambicionados e a mexer com as pessoas.
Texto: Luísa Savala, Joana Ferreira e Jorge Oliveira