Alan Poul é produtor e realizador de séries como Sete Palmos de Terra, Newsroom ou Westworld, que lhe valeram o reconhecimento e alguns dos mais importantes prémios da indústria cinematográfica, como um Emmy Award, um Golden Globe Award ou três Peabody Awards. No âmbito da iniciativa American Film Showcase, o cineasta deu uma aula aberta na Escola Superior de Artes e Design, nas Caldas da Rainha, onde falou sobre a sua experiência e sobre cinema e televisão norte-americanos.
Como iniciou a sua carreira na indústria cinematográfica?
Formei-me em literatura japonesa e em cinema japonês. Na altura, trabalhava em Nova Iorque em teatro e escrevia peças para musicais, o que é uma atividade completamente diferente, ao mesmo tempo que ganhava a vida como especialista em cinema japonês. Como tinha uns amigos em comum com um realizador americano que ia fazer um filme no Japão, ele veio ter comigo e disse-me: “Sabes de teatro, sabes de representação, falas japonês e sabes tudo sobre cinema japonês, por isso, preciso de alguém como tu. Pára tudo o que estás a fazer e vem um ano comigo para o Japão para fazermos um filme juntos.” E eu fiz isso. Infelizmente, não é um conselho que possa dar a qualquer um.
Foi com essa experiência que começou a ganhar interesse pela área?
Sim. Na primeira vez que entrei num cenário de filmagem em Tóquio, disse: “Uau, isto é o que eu quero fazer!” Na altura, eu tinha quase 30 anos. Desde então, fechei a porta ao teatro e ao meio académicos e nunca mais olhei para trás.
Durante estes mais de 20 anos de carreira qual foi o projeto que mais o marcou? Porquê?
Eu diria que foi Sete Palmos de Terra, porque nós éramos uma família incrível e muito próxima. Sei agora, da minha experiência em televisão, que há muitos conflitos de interesse e mudanças que ocorrem nesse meio, mas em Sete Palmos de Terra tivemos a mesma equipa durante cinco anos, o mesmo elenco, os mesmos escritores e os mesmos dois produtores executivos, Alan Ball – o criador – e eu próprio, a produzir a série. Durante cinco anos, vivi numa espécie de ‘comunidade paradísica’, que eu não sabia ser tão incomum até a série chegar ao fim. Sei que não voltará a acontecer algo assim.
A que se deve o seu sucesso?
Diria que, primeiro, fui afortunado, tive sorte. E segundo, uma das razões pelas quais fiz um percurso longo e não alcancei o sucesso rápido, foi o facto de ter sempre encontrado pessoas interessantes, que eu admirava porque pensava que eram mais talentosas, e que por isso, me serviram de inspiração. No teatro, eu tive um mentor. Em musicais, eu tive um mentor. E depois conheci o mentor, Paul Schrader, que me trouxe para a indústria cinematográfica. Mas foi o facto de permanecer junto daqueles que admirava tanto, com quem queria aprender, sem necessariamente ter em mente um objetivo de carreira, que me levou onde eu estou hoje.
Como surgiu a oportunidade de fazer parte do projeto American Film Showcase (AFS)?
O projeto da American Film Showcase é levado a cabo pela USC (University of Southern California). Como vivo em Los Angeles, foi-me perguntado se poderia candidatar-me para ser o que eles chamam de um enviado, uma espécie de emissário da AFS (American Film Showcase). Resolvi candidatar-me e fui recebido no programa. Este é a minha primeira participação.
Qual é para si a mais valia deste projeto?
É um programa incrível. O programa da AFS envia cineastas com os seus filmes, e especialistas em cinema com os seus testemunhos, para todos os cantos do mundo. Não só para ajudar a introduzir o cinema americano, mas também para partilhar saber com as pessoas. Tem ainda o objetivo de divulgar alguns documentários independentes, que não seriam vistos de outra maneira.
Em que é que a cinematografia dos EUA se distingue do resto do mundo?
O grande cinema dos Estados Unidos é mais efetivo a atingir largos números de audiências, por causa, claro, do seu sistema de distribuição. Também porque Hollywood aperfeiçoou ao longo de mais de cem anos a arte de fazer criações que têm um enorme apelo universal, o que começou com os filmes mudos, e se tornou no segredo de sucesso dos filmes americanos.
Há algum outro país que no futuro consiga rivalizar com a indústria cinematográfica dos EUA?
Penso que é cada vez mais difícil fazer filmes que alcancem uma visualização global, porque toda a gente tem cada vez maior acesso a conteúdos audiovisuais nos seus telemóveis. Os filmes que hoje em dia geram as maiores receitas são geralmente filmes de super-heróis, baseados em histórias de banda-desenhada que as pessoas já conhecem, o que é um pouco triste, na minha opinião. No entanto, se há algum país que no futuro seja capaz de conseguir produzir filmes com esse tipo de apelo universal será a China, porque eles têm os recursos, a população, uma infraestrutura de produção cinematográfica incrível, e têm o dinheiro e a ambição para serem globais. Só ainda não descobriram como entrar no mercado ocidental.
Conhece o cinema português?
Apenas os filmes de [Manuel de] Oliveira. Ele é o único realizador português que se tornou uma referência internacional do cinema de autor e fez filmes até ter uns 104 anos. Toda a gente conhece os seus filmes. De resto, tenho de dizer que sou bastante ignorante no que toca ao cinema português. Os filmes estrangeiros não têm lançamento comercial nos Estados Unidos. Claro que agora tudo é mais fácil de encontrar porque temos a Internet e a pirataria, mas ainda não é assim tão simples.
Quais são as grandes tendências para o futuro do cinema e da televisão?
A próxima grande questão acerca da televisão prende-se com o que vai acontecer com a Internet, porque temos a Netflix e a Amazon, que são duas grandes companhias tecnológicas, e a Hulu, que é mais convencional, mas oferece serviços streaming. A televisão já não é televisão. Não precisamos de ter um aparelho de televisão para ver. E, por isso, há uma espécie de separação entre televisão e a ideia de transmissão. A partir de agora, o que iremos observar é um desfasamento de tempos entre produção e consumo, que irá intensificar-se. No futuro próximo, iremos pensar em televisão como uma relação direta entre criador e consumidor, apenas um portal, e não mais uma atividade de visualização organizada. Isso tem um enorme impacto na capacidade de atingir nichos específicos de audiências. E ninguém sabe o que irá acontecer a seguir, para além da Netflix e da Amazon, essas duas grandes companhias que investem milhões de dólares nesta indústria, ou sobre esta nova versão de seres tu próprio o criador de conteúdos para a Internet, YouTube e outros portais. Mas, seja como for, esse é definitivamente o rumo que as coisas vão tomar.
Qual o maior desafio de produzir e realizar filmes?
Em realização o maior desafio é a visualização, ou seja, é descobrir a forma certa de ver uma história, de tal modo que outras pessoas a consigam ver através do mesmo ângulo. Há muitas coisas que têm de se aprender em termos técnicos, a nível da câmara, lentes, luz e, acima de tudo, representação. Mas tem tudo a ver com ter o controlo sobre a forma como as pessoas vão ver uma história. Por isso, precisas de visualizar a história e fazê-la acontecer. Em produção é diferente, porque produzir é como montar um puzzle, com centenas de pessoas envolvidas. É um trabalho que envolve mais lógica e logística, para fazer com que todas as peças encaixem e formem um todo.
Chegar a todas as audiências não é tarefa fácil. Como lida com essa questão, ainda mais quando o aspeto comercial assume tanta importância nos EUA?
Penso que hoje é possível ter sucesso em televisão alcançando apenas um nicho da audiência. Na verdade, está a tornar-se mais fácil ganhar a vida sem agradar a todos, o que é uma boa evolução. Mas eu acho que o desafio nos Estados Unidos é encontrares a tua audiência e falares para ela. Podes ser muito bem-sucedido em fazer entretenimento para massas, mas isso não é para mim, porque eu gosto de fazer coisas que me tragam significado. Portanto, tenho de sentir-me feliz pelo facto de apenas algumas pessoas gostarem do que faço.
O que é para si o cinema?
O cinema para mim são sonhos. É ainda a essência de nos podermos sentar no escuro a assistir ao sonho de outra pessoa. E eu espero que no futuro as pessoas continuem a sentar-se no escuro.
Considera que o cinema lhe permite intervir socialmente?
Eu acredito que o melhor progresso feito através do cinema, da televisão, da possibilidade de contar histórias, é a tentativa de apresentar o mundo da maneira como o vemos. Por isso, não tem de ser necessariamente propaganda, agitação ou algo relacionado como uma causa social. Se simplesmente contares uma história que gira em torno da discriminação, da injustiça ou de uma aplicação incorreta da justiça criminal, essas histórias prosperam e mudam as pessoas porque são boas histórias. Se não forem boas histórias, não terão qualquer efeito. Se estás a falar em tornar o mundo um lugar melhor, então a minha resposta é sim, certamente.
Que conselhos daria a quem inicia a carreira?
Acho que é uma boa altura para aqueles que estão a iniciar a sua carreira na indústria cinematográfica. É uma melhor altura do que quando eu comecei, especialmente pela acessibilidade que há agora. Hoje em dia podes comprar uma pequena câmara e podes criar verdadeiros filmes de alta definição em casa, com quase nenhum equipamento de luz. Dantes se alguém quisesse iniciar o seu percurso profissional nesta área, teria de escrever algo, conhecer algumas pessoas, angariar algum dinheiro, dirigir-se a empresas de cinemas e pedir filmes de graça, dirigir-se a um laboratório e pedir o espaço emprestado. Basicamente, tinha de implorar. Agora, se queres fazer um filme, basta fazer. Quando os alunos entram nas escolas de cinema, e querem ser cineastas, espera-se que já tenham feito um filme, porque é tão fácil de fazer. Portanto, a minha resposta é apenas: começa a fazer os filmes que expressem o que queres dizer, porque não é preciso dinheiro para mostrar capacidade de expressão pessoal.
Texto: Adriana Silva
Foto: Paulo Marques e Pedro Cá