São mais de 24 milhões de euros atribuídos em 2016 pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC) a cientistas portugueses, distribuídos por bolsas de início de carreira (Starting Grants), de consolidação (Consolidator Grants) ou de investigação avançada (Advanced Grants). O Akadémicos falou com alguns dos investigadores que ganharam financiamentos de início de carreira, dois deles com ligação à região.
ERC (European Research Council) desempenha, ao nível da União Europeia, o papel análogo ao da Fundação para Ciência e a Tecnologia em Portugal. A sua atividade visa disponibilizar relevantes financiamentos, de longo prazo, para investigadores de inegável qualidade. Os cientistas portugueses poderão, agora, formar as suas equipas de investigação e concretizar em projetos ideias inovadoras.
Quatro investigadores irão desenvolver os projetos em Portugal e dois em países europeus. Miguel Cardina faz investigação no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES), Francisco Freire no Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA), Ana Patrícia Gonçalves na Universidade do Minho e Joaquim Gaspar (Sentado no Mocho) na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). Bruno Correia desenvolve estudos na Escola Politécnica Federal de Lausana (Suíça) e Beatriz Viçoso, no Instituto de Ciência e Tecnologia da Áustria.
As bolsas científicas premiadas com valores entre os 1,1 e 1,6 milhares de euros, desenvolvidas ao longo de cinco anos, abarcam as mais variadas áreas: na História, das guerras de libertação colonial (Miguel Cardina) às cartas marítimas medievais e de início da época moderna (Joaquim Gaspar); na Antropologia, os estudos críticos das políticas do ativismo social e da militância islâmica na região do Magrebe (Francisco Freire); na Matemática, os limites hidrodinâmicos e flutuações de equilíbrio (Ana Patrícia Gonçalves); em Ciências da Vida, o design computacional de novas proteínas funcionais para imunoengenharia (Bruno Correia); na Biologia de Evolução, a prevalência e influência do antagonismo sexual na evolução do genoma (Beatriz Viçoso).
Miguel Cardina entrou no mundo da investigação por “curiosidade”. O projeto do investigador natural da Nazaré tem como objetivo “fazer uma história da memória das guerras coloniais e de libertação combatidas entre o Estado português e os movimentos independentistas africanos”.
Já Francisco Freire confidencia que os docentes João Veludo e Fernando Cruz, do Instituto Politécnico de Leiria, tiveram um papel muito importante no desenvolvimento do projeto. A proposta baseia-se numa análise dos vocabulários sociopolíticos do Oeste Saariano. “Analisarei as estruturas sociais e políticas desta região, assim como as suas variações locais (com base em estudos de caso), refletindo sobre a articulação destas com vocabulários políticos mais recentes”, clarifica o cientista radicado em Leiria desde tenra idade.
Ana Patrícia Gonçalves confessa que a investigação fez muito cedo parte dos planos profissionais.
E desabafa: “Ter esta bolsa em Portugal é viver desafogado e não ter problemas de financiamento
nos próximos cinco anos, numa escala que não existe em Portugal”. Para a natural de Esposende
investigar “é tentar descobrir aquilo que não sabemos e que está mesmo à nossa frente”. O projeto passa por “tentar usar modelos matemáticos para mostrar universalidade”. A investigadora utiliza dois elementos distintos como exemplo: tal como o gelo se acumula no vidro de um carro e a sua forma tem um crescimento tendencioso, também a linha de uma folha a arder apresenta o mesmo progresso. A questão que impera é descobrir como situações tão diferentes têm o mesmo padrão.
O gosto pela investigação na área das ciências da vida resulta, segundo Bruno Correia, da possibilidade de “fazer algo que é útil para a sociedade, como ensinar e trabalhar em problemas com impacto em biomedicina”. A investigação deste conimbricense pretende utilizar estratégias racionais e alvos definidos para alcançar vacinas mais eficazes, seguras e com períodos de desenvolvimento mais curtos.
Bolsas são sinónimo de notoriedade, credibilidade, motivação e autonomia
Na perspetiva destes investigadores, as bolsas terão um grande impacto na ciência portuguesa. Prestígio, credibilidade, motivação, disciplina e autonomia são algumas das principais vantagens apontadas.
Segundo Miguel Cardina, as bolsas conferem prestígio tanto aos investigadores como às instituições
portuguesas que acolhem os projetos. São as distinções que permitem começar a construir “uma comunidade científica sólida, alargada e plural”. O investigador, que já formou a equipa e encontra-se numa fase de definição do projeto e consolidação da metodologia, considera que esta é uma relevante oportunidade para inovar e alargar o conhecimento dos legados das guerras e das lutas de libertação colonial.
Apesar de não desenvolver investigação em Portugal, Bruno Correia realça a importância dos financiamentos para o aumento da credibilidade dos cientistas nacionais no estrangeiro. Obter o reconhecimento europeu significa uma maior possibilidade de novas oportunidades futuras.
A mesma ideia é corroborada por Francisco Freire. O campo de estudo da Antropologia em Portugal beneficiará em muito com investigações suportadas por entidades de renome como a ERC. Para Freire, estas bolsas são sinónimo de disciplina e motivação, elementos fundamentais para os investigadores mostrarem resultados.
A autonomia é outro fator destacado pelos premiados, sobretudo no momento de constituírem as
suas equipas de pesquisa. A possibilidade de trazer cientistas estrangeiros e, dessa forma, partilhar e aceder a mais conhecimento é outro dos benefícios salientados por Ana Patrícia Gonçalves. A cientista encontra-se em fase de constituição da equipa, podendo, a partir de agora, garantir trabalho a dois alunos de doutoramento para quatro anos e outros dois de mestrado para um ano.
Portugal, Brasil e Suíça: quando a motivação, o financiamento e a organização fazem a diferença
As disparidades entre a ciência portuguesa e estrangeira são uma realidade. Ana Patrícia Gonçalves e Bruno Correia são o exemplo de cientistas que experimentaram prosseguir carreira além-fronteiras.
Depois da experiência profissional no Brasil, a investigadora acredita que as diferenças entre os dois países são “notáveis”. Afirma que no Brasil, ao contrário da realidade portuguesa, existem muitas
agências de fomento e bolsas que financiam projetos nas mais variadas áreas. Mas as discrepâncias não se ficam pelos apoios. Ao nível da sociedade também são visíveis inúmeras disparidades. “No
Brasil, quando se marca um seminário, há uma grande adesão de alunos e professores. Já em Portugal temos quase que ‘andar à caça’ para que as pessoas tenham interesse em participar”, compara.
Patrícia Gonçalves acredita que o sucesso de uma investigação depende em grande parte do apoio e da ajuda entre profissionais. Até porque são as grandes redes de investigação, com pessoas de perfis e capacidades diferentes, que promovem o progresso da ciência. “Em Portugal, infelizmente, acho que não se cria muito essa interligação, que para mim é fundamental”, confessa.
Na perspetiva de Bruno Correia, a Suíça é um país mais “avançado” em termos de investigação. As grandes diferenças apontadas situam-se, na sua opinião, ao nível organizacional e financeiro. Para
o investigador, a mentalidade dos suíços origina “instituições e serviços de certa forma mais bem
organizados e eficientes”. Os recursos económicos são ainda superiores aos disponibilizados pelas instituições portuguesas e refletem-se no maior investimento em investigação.
Qual o futuro para a ciência portuguesa?
Pouco investimento e escassez de emprego são alguns dos motivos que suscitam apreensão sobre os próximos tempos. Ana Patrícia Gonçalves considera que o futuro não é muito risonho para os jovens que abraçam uma carreira científica. O pouco financiamento, a escassez de bolsas e emprego, bem como a postura dos investigadores portugueses são alguns dos entraves apontados. “Há um problema muito grave com os nossos jovens. Não há bolsas nem emprego, logo cada vez menos pessoas vão para investigação”, lamenta.
A solução passa por haver um maior investimento na qualificação e na segurança laboral dos investigadores, enfatiza Miguel Cardina. “Se houver o cuidado de não matar áreas científicas em detrimento dos interesses imediatos do mercado e se houver um desenvolvimento de universidades e centros de referência, o resto tenderá a florescer”, acredita
É unânime a necessidade de maior financiamento na ciência portuguesa. Para Bruno Correia, é imperativo “aumentar o investimento em ciência para melhorarmos as infraestruturas. Até porque
em termos de matéria humana, o futuro português é brilhante”.
Texto: Ana Lúcia Guerra, Cristiana Alves, Marta Santos