Cantinas e refeitórios públicos: carne, peixe ou vegetariano?

Foi aprovada, dia 3 de março, na Assembleia da República, a obrigatoriedade de existência de opção vegetariana nas ementas das cantinas e refeitórios públicos. A lei aplica-se em especial às cantinas e refeitórios que se encontrem instalados em unidades integradas no Serviço Nacional de Saúde, lares e centros de dia, estabelecimentos de ensino básico e secundário, estabelecimentos de ensino superior, estabelecimentos prisionais e tutelares educativos e serviços sociais. Alguns já integravam a opção, outros vão agora iniciar.

Tem vindo a aumentar o interesse pela alimentação vegetariana. Seja por questões de saúde, por questões de ética ou como forma de preservar o meio ambiente, são muitas as pessoas que adotam o vegetarianismo como opção. “O que me levou a mudar para este estilo de alimentação foi primeiramente a consciencialização que houve. A alteração na indústria pecuária, que agora está a ser muito mais explorada, faz com que os animais sofram muito mais enquanto estão vivos. Acho que conseguimos ter um bom estilo de vida sem comer animais, é muito mais saudável”, afirma Daniela Faustina de 18 anos, que começou por deixar de comer carne, e optou por um estilo de vida vegetariano após um ano.

Natália Tomás, engenheira alimentar do Instituto Politécnico de Leiria (IPLeiria), acredita “que existem
dois grandes motivos que levam os jovens a adotar um estilo de vida vegan: a preocupação com os seres vivos e com a sustentabilidade ambiental em primeiro lugar, e a preocupação com a saúde e prevenção de doenças crónicas como doenças cardiovasculares, oncológicas, diabetes e obesidade, em segundo”.

Na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais (ESECS) já existem na ementa do refeitório pratos
vegetarianos. Inicialmente, só havia dois dias por semana, mais tarde passou a estar presente, no menu, todos os dias. “Este ano letivo foi introduzida no plano de ementas das unidades alimentares dos Serviços de Ação Social do Politécnico de Leiria, com elevada taxa de adesão, uma opção ovolactovegetariana (que exclui carne e peixe, mas inclui ovos e laticínios)”, refere Natália Tomás. A técnica explica, no entanto, que o novo diploma introduz um conceito diferente: alimentação vegan. A opção ovolactovegetariana vai, assim, ser substituída pela opção vegan: “Não temos capacidade para ter pratos vegan e vegetarianos”, justifica Rosa Santos, encarregada do refeitório da ESECS.”

Na Escola Secundária Francisco Rodrigues Lobo ainda não há pratos sem produtos de origem animal. Segundo as funcionárias do refeitório, há alguns alunos que solicitam pratos vegetarianos. Como ainda não há, servem, dentro da ementa “normal”, os pratos disponíveis, mas sem carne ou peixe, por exemplo, arroz com salada. Adiantam, no entanto, que as ementas já estão a ser trabalhadas pelos responsáveis e irão ser disponibilizadas no refeitório no próximo ano letivo.

A cozinheira deste estabelecimento de ensino diz crer que assim que estiver disponível a opção vegetariana, assente em refeições que não contenham quaisquer produtos de origem animal, a procura vai ser maior. Menos certa desse aumento, a engenheira do IPL indica suspeitar que a opção vegan venha a “reduzir o número de adeptos nas cantinas por tratar-se de um regime alimentar mais restrito, baseado no consumo exclusivo de frutas, verduras, azeites de origem vegetal, frutos secos e cereais”.

Transição deve ser acompanhada

Atualmente, estão a surgir muitos restaurantes que apenas têm menus vegetarianos. Yolanda Oliveira, proprietária do restaurante vegetariano Tamari, concorda que tem havido uma evolução por parte das
pessoas: “Há cada vez mais uma consciência de que aquilo que comemos é aquilo que somos”.

Natália Tomás enaltece a importância, mas também os cuidados a ter perante o regime em causa, para que não haja qualquer problema de nutrição. “Uma alimentação estritamente vegetariana, mal estruturada, comporta sérios riscos para a saúde, nomeadamente carências das vitaminas B12 e D, bem como de alguns minerais como o ferro, cálcio, zinco, proteína de qualidade e ácidos gordos essenciais.” A engenheira alimentar sustenta, por isso, que “a exclusão do regime alimentar de qualquer produto de origem de animal não pode resultar, apenas, de uma convicção ética
ou social ou ainda tendência/moda, como lhe queiram chamar”. Segundo Natália Tomás, quando uma
pessoa muda para uma alimentação sem vestígios de origem animal, “a mudança de hábitos alimentares deve ser gradual e acompanhada por um profissional da área da nutrição, passando inicialmente por um regime ovolactovegetariano, e posteriormente para um modelo mais restrito”.

Liberdade de escolha

Carolina Rebelo, vegetariana e estudante da ESECS, diz ser muito mais saudável a alimentação sem produtos de origem animal, pois considera que a carne que se encontra no mercado é mal processada, e é nociva para a saúde. Está, por isso, completamente de acordo com a nova lei. “Acho que devia ter existido sempre”, refere. No entanto, diz que é notória uma sensibilização e consideração por pessoas com outras opções alimentares: “Sem dúvida que vai melhorar e afetar
positivamente os alunos que optam por comida vegetariana, pois podem comer realmente aquilo que mais gostam e que os satisfaz”.

Natália Tomás é também da opinião que a obrigatoriedade de disponibilizar a opção vegan nas instituições de ensino “vem colmatar uma falha na forma de funcionamento anterior, em que os indivíduos vegan eram ‘marginalizados’ e sujeitos à boa vontade das instituições”.

Daniela apoia totalmente a nova lei. “Fico contente que tenha sido imposta a obrigatoriedade de pratos vegetarianos nos refeitórios, pois faz com que mesmo as pessoas que seguem o estilo de vida
mais tradicional, façam algumas refeições vegetarianas”. E conclui: “Eu não defendo que todos se tornem vegetarianos, mas se todos fizerem regularmente refeições vegetarianas já implica haver uma grande mudança”.

Yolanda Oliveira explica que nos restaurantes vegetarianos os clientes são mais exigentes, porque
o vegetarianismo se divide em várias categorias: os que não comem nem carne nem peixe, e os que não comem quaisquer produtos de origem animal. Mas há também os clientes curiosos, “que procuram perceber o estilo de vida dos vegetarianos”. Como refere Yolanda, “as pessoas que não são vegetarianas, comem de tudo”.

Natália Tomás diz não acreditar que a nova lei vá influenciar a forma como as pessoas escolhem o
seu regime alimentar. “Esta é uma decisão pessoal, nalguns casos, no seguimento da educação que tiveram em casa, noutros, por opção individual”, mas sublinha que “o facto de existir a opção vegan nas cantinas irá facilitar o acesso a refeições compatíveis com as opções alimentares de cada um”.

Texto: Cláudia Monteiro e Inês Santos