Nós: A primeira obra-prima do terror pós-moderno?

Um filme que chega numa altura incomum para uma película do género, Nós, (Us em inglês) é o segundo e mais recente filme de Jordan Peele, conhecido pelo programa de comédia Key and Peele e pelo filme Keanu, que escreveu e coprotagonizou com o seu colega de palco, Keegan Michael-Key. O seu primeiro filme, Foge (Get Out), assentou em temas sociológicos e raciais para contar a sua história, e esta nova fornada não foge ao molde criado por Peele.

Nós centra-se na história de Adelaide Wilson, protagonizada por Lupita Nyong’o (vencedora do Óscar de melhor atriz secundária em 12 Anos Escravo) que, em criança, encontra uma sósia perfeita numa casa de espelhos à beira-mar. Anos mais tarde e acompanhada pela sua família, volta a visitar a praia onde se deu o encontro e a partir daí a sua vida dá uma reviravolta.

Um dos pontos fortes do filme é a direção de fotografia. Com uma paisagem repleta de planos fechados, um dos marcos do género do Terror, o realizador desconstrói e volta a montar todos os seus clichés, criando personagens inteligentes que quase parecem reagir às expetativas do espectador. O desempenho do elenco é coeso, fazendo o filme brilhar. Lupita Nyong’o lidera o filme, tendo a seu cargo o papel de Adelaide Wilson e também de Red, sua sósia e principal ameaça. Winston Duke, conhecido mais recentemente pelo papel de M’Baku em Pantera Negra e Vingadores: Guerra Infinita, desempenha o papel de Gabe Wilson, figura paterna, e também de Abraham, sósia de Gabe. Os filhos do casal, Zora e Jason Wilson, são personificados por Shahadi Wright Joseph e Evan Alex. O elenco consegue manter desempenhos notáveis e há que mencionar o nível de detalhe cinematográfico, referente não só ao cuidado com o tom e ritmo do filme, mas também à dimensão simbólica da película.

Tal como o filme que o estreou no mundo da realização, também Nós utiliza muito da identidade que singularizou Foge como um dos marcos do terror pós-moderno. Peele volta a construir uma narrativa escondida dentro de outra. Aqui, a história meta-textual, a que procura ultrapassar as barreiras do filme, é tão importante quanto a narrativa. Enquadrando o filme nos Estados Unidos da América da atualidade, não é difícil perceber a mensagem de Jordan.

A única falha a apontar ao filme é a sensação de uma velocidade exagerada para chegar rapidamente ao clímax da história, o que deixa o terceiro ato aquém das expetativas criadas pelos anteriores. Mesmo assim, e apesar do percalço, Nós é a primeira grande amostra do que o Terror na era pós-moderna deve ser: irreverente, tenso e capaz de pôr o espectador a pensar.

Texto: Guilherme Soares