Jornalismo em tempo de pandemia

Imprevisibilidade, aumento de informação e noticiários monotemáticos

A imprevisibilidade e o aumento do volume de informação parecem ser alguns dos elementos mais diferenciadores do atual período de crise sanitária, com relevante impacto na vida daqueles que fazem chegar as notícias ao público. Ana Neves não tem dúvidas em afirmar que a produção diária da agência Lusa quase triplicou e que mais de metade do que acontece num dia não está previsto. Para a correspondente, a duração dos eventos em Bruxelas é outra consequência do atual momento que vivemos: “Em abril, tivemos uma reunião do Eurogrupo que durou mais de 16 horas, espaçadas entre diferentes dias. Este tipo de encontros decorre à porta fechada e as informações são dadas aos jornalistas pelos porta-vozes ou na conferência de imprensa final”.

Ana Neves nota que “tem havido uma necessidade de reforçar os diferentes horários dado o volume de trabalho”, apesar de admitir que esse é um cenário difícil em redações pequenas e com poucos jornalistas. A agência Lusa, sustenta, tem tido “um importante papel nesta matéria, uma vez que constitui um suporte para muitos meios de comunicação social neste período mais difícil”.

Anselmo Crespo destaca, por sua vez, que o aumento exponencial da procura de informação indica que “as pessoas confiam mais nos jornalistas do que nos post do Facebook, mesmo aquelas que passam a vida a dizer mal do jornalismo que se faz em Portugal”. O jornalista da TSF considera que, em tempos de pandemia, ficou claro que as pessoas confiam nos jornalistas.

O sentimento de urgência informativa provocado pela crise sanitária e, sobretudo, por algo desconhecido, além do grau de incerteza que ainda domina a sociedade, alimentam, na opinião de Carlos Almeida, esse aumento exponencial da procura de informação.

“O vírus viralizou a busca de notícias. Informar perante um novo e desconhecido fenómeno implica estar atento a todo o tipo de informações que o possam ajudar a explicar. Penso que, agora, a curva da procura de informação achatou”, sublinha o jornalista do Região de Leiria.

A constatação de que, no período de confinamento, se registou um pico de informação, já normalizado em função dos fluxos pré-estado de emergência, é uma observação igualmente partilhada por Jacinto Silva Duro. Porém, no Jornal de Leiria, a produção online sofreu alterações que parecem ter chegado para ficar: “A rotina de produção para o online e o esquema de escalas de serviço sete dias por semana ficaram estabelecidos. Já não haverá retrocesso. Aumentámos o fluxo de informação dos concelhos do Norte e do Sul do distrito de Leiria, além dos da Alta Estremadura, que é a nossa área de cobertura principal”.

Mas o aumento de informação não apresenta um caráter uniforme, é proporcional ao pulsar da sociedade. Logo, se existem setores da vida social que reduziram ou encerraram por completo a atividade, então essa tendência tem impacto no fluxo informativo, que é menor ou quase nulo, como se verificou no desporto e na cultura. Áreas como os apoios sociais e, sobretudo, os cuidados de saúde e tudo o que está relacionado com a dinâmica da pandemia (números de casos, contágios, equipamentos, etc.) são as grandes responsáveis pelo aumento da produção noticiosa.

A outra face do pico informativo relacionado com a pandemia remete, também, para noticiários e coberturas jornalísticas monotemáticas. Durante quase dois meses, todo e qualquer assunto acabou por estar relacionado com a pandemia. Na opinião de Anselmo Crespo, a razão é simples: “Sob qualquer critério de notícia a pandemia era o tema mais importante. E, não só as pessoas mostravam uma enorme apetência por informação sobre o vírus, como é obrigação do jornalismo – enquanto serviço público – informar sobre um tema que mudou as nossas vidas de uma forma tão radical”.

Mas, tal como o fluxo de informação parece estar a regressar ao níveis pré-pandemia, também as grelhas informativas monotemáticas estão a esgotar o seu prazo de validade. Como afirma Jacinto Silva Duro, “o público está cansado desse tema e anseia por coisas novas e por uma certa normalidade”.