André Barros: “A forma como descubro a música e como componho é muito irracional”

Compositor de bandas sonoras, André Barros já trabalhou com marcas de todo o mundo. Os seus cinco álbuns de originais têm origem na aprendizagem autodidata e na experiência que vem de um currículo que inclui colaborações com artistas como Valter Lobo e Myrra Rós. É também o vencedor do prémio para melhor banda sonora no Los Angeles Independent Film Festival Awards, atribuído em 2015.

Como foi crescer na Marinha Grande?
Foi uma infância maravilhosa, feliz, repleta de boas amizades, de passeios pela natureza. Como vivemos perto do pinhal e da praia, é um ambiente porreiro para se viver enquanto criança. Da perspetiva musical não há muita coisa, mas lembro-me de ainda ser criança e o meu irmão, que é mais velho do que eu, ter comprado uma bateria e ter tido uma banda. Esse foi o primeiro instrumento que toquei: uma bateria. Por vezes, enquanto ele atuava com a banda, eu ia dar uns toques.

E ainda toca bateria?
De vez em quando, sim. Musicalmente, nunca tive nenhum estímulo, tirando o da bateria que tinha em casa do meu irmão. É engraçado que estive a ver uns daqueles álbuns que os pais escrevem quando somos crianças e reparei que tinha uma foto de mim, pequenino, a tocar um piano de brincar. Dizia que era o meu brinquedo favorito. Mal eu imaginava como esse instrumento me viria a assombrar.

Esteve na Marinha Grande até mais ou menos que idade?
Estive basicamente até concluir o 12.º ano. Depois fui para a Força Aérea. Fiz a recruta dois meses e ainda estive a estudar uns quatro ou cinco meses em Sintra, na Academia da Força Aérea. Queria ser piloto, no entanto, chumbei a entrar para o curso por causa da vista, tinha miopia. Mais tarde vim a perceber que aquela disciplina, aquela hierarquia, toda aquela formalidade, não tinha nada que ver comigo. Decidi sair da Força Aérea, com 18 anos, e fui para Direito. Tirei licenciatura em Direito, na Universidade de Lisboa.

Tudo muito devido a essa influência inicial?
Sim, das bandas sonoras. E depois uma amiga minha tinha um piano acústico de cauda já muito antigo, mas minimamente afinado, e comecei a tocar essa música, o tema principal do filme O Fabuloso Destino de Amélie, “Comptine d’un autre été”. Percebi que tinha um mínimo de jeito para aquilo, para conseguir interpretar as coisas, e também tinha ouvido. Os meus amigos começaram a apoiar-me e comprei um piano digital, algo muito simples. Nos anos seguintes fui-me juntando a outros músicos de cordas e à Escola Superior de Música de Lisboa e comecei a tocar com outros artistas. Tudo de forma completamente natural e empreendedora.

A sua aprendizagem foi toda autodidata?
Toda, completamente autodidata, sempre. Normalmente as pessoas usam essa expressão, “autodidata”, quando querem dizer que elas próprias usaram formas ou ferramentas de se autoinstruírem, seguindo vídeos e uma série de plataformas que podemos usar. Mas o meu “autodidata” é num sentido ainda mais lato, no sentido em que eu não quis, e continuo a não querer, ter aulas de música, porque estava a gostar imenso de ser tudo irracional. Esta é uma palavra meio forte porque a música é matemática e racional, mas a forma como descubro a música e como componho é, de facto, muito irracional. Penso que tenha sido esse contraste com a rigidez da Força Aérea, a formalidade do Direito, todos aqueles livros que andei anos e anos a estudar. Penso que tudo isso foi compensado por este lado mais emocional, mais livre e mais arbitrário que descobri na música.

Como é que era esse processo de aprendizagem? Chegava a casa, sentava-se ao piano e começava a tocar?
Sim, exatamente. Tocava alguns temas que conhecia de ouvido, ia explorando, depois ia compondo umas coisas minhas. Depois de finalizar o curso de Direito, trabalhei como jurista na Caixa Geral de Depósitos em Lisboa, mas foi só meio ano. Quando saí, percebi a preponderância na minha vida deste trabalho de composição, de fazer música, e fui tirar um curso de Produção e Criação Musical na antiga Escola Técnica de Imagem e Comunicação [atual Escola de Tecnologias de Inovação e Criação], em Lisboa. Foi muito importante para mim, para conseguir produzir estes temas.

Como é que percebeu que conseguia passar da criação de música para a criação de trilhas sonoras?
O meu irmão tem uma produtora de filmes na Marinha Grande, a Lua Filmes. Faz muitos filmes corporativos e institucionais e já usava algumas músicas minhas. Como é instrumental e muito sugestiva de um mood, “casou” bem com alguns projetos. Mais tarde, pensei que poderia ser interessante trabalhar nessa área das bandas sonoras e comecei a contactar alguns realizadores. Aconteceu encontrar, em 2013, o que seria a minha primeira banda sonora para uma jornalista paquistanesa independente, Madiha Tahir, que fez o documentário Wounds of Waziristan [Feridas do Vaziristão] sobre danos colaterais de drones que os norte americanos lançavam naquela região do Paquistão. A partir daí, foquei-me nisso. E é precisamente o que faço até hoje: 50 por cento do meu dia consiste em criar contactos com realizadores e produtores e encontrar filmes em pré-produção, que é uma fase inicial que ainda não tem propriamente compositor.

Que projetos tem para o futuro?
Sou compositor de bandas sonoras e é daí que tenho grande parte dos meus rendimentos. Depois tenho a parte dos concertos, que faço de vez em quando. Mas o foco vai ser esse, de compor para audiovisual. Vou sempre ter gosto em editar uma compilação de trabalhos que vão surgindo em diferentes tempos da minha carreira. O outro projeto vai ser continuar com concertos quando isso se justifique. É importante estar em palco, também gosto, mas não é o foco do meu trabalho. Diria que as bandas sonoras são 80 por cento do meu trabalho.

Todos os anos temos os Óscares e sabemos da sua importância para o cinema. Como compositor para bandas sonoras, alguma vez sonhou com uma distinção?
Claro! Pensamos sempre nessas coisas, nos prémios. O prémio é importante em dois sentidos. Animicamente, faz-nos pensar: “Bem, o que eu estou a produzir tem qualidade e está a ser avaliado por pares, vai ter um alcance maior e vai-me dar alguma visibilidade”. Por outro lado, é o “estar lá” fisicamente, num desses prémios em Nova Iorque ou Hollywood. O estar ali presente, em vez de estar na Marinha Grande ou em Lisboa, pode fazer milagres. Posso conhecer realizadores e produtores que depois me darão trabalho. É extremamente importante fazer o esforço para estar nessas premiações. Curiosamente, têm sido todas nos Estados Unidos.

Na sua carreira de compositor, já teve alguma colaboração com um cantor?
Já tive várias colaborações. Tive com a Myrra Rós, islandesa, em dois álbuns – In Between e Reasons. Tive com o Valter Lobo, de Fafe, um exímio escritor de canções que faz melodias muito bonitas, também. Fiz um álbum com ele no âmbito de uma residência artística em Guimarães, no Centro Cultural Vila-Flor. A minha primeira experiência com cantores foi com a Catarina Ortins Dias numa canção chamada “Far Too Close”, que ia entrar no primeiro álbum, mas depois entrou sem voz. Também trabalhei com o AndreViaMonte.

Texto e fotos: Alexandre Cruz | Fábio Sousa | Mariana Sebastião | Tiago Branco