Nuno Vasco Rodrigues: “Grande parte da minha vida é o mar”

Nuno Vasco Rodrigues é um biólogo marinho, fotógrafo e investigador no Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) do Instituto Politécnico de Leiria, onde faz pesquisas focadas na ecologia do peixe. Com diversos trabalhos científicos e três livros com imagens fotografadas no oceano, já foi recebeu o prémio de “Fotografia de Conservação do Ano” em 2021 pela Ocean Geographic. Por meio da fotografia, Nuno é um porta-voz que procura a transformação do nosso comportamento perante os oceanos.

Quais são os projetos em que participa atualmente?
Neste momento, sou membro do Comité de Cogestão da Reserva Natural das Berlengas – uma área protegida que é próxima de Peniche. Sou o técnico designado para fazer a interlocução entre as várias partes envolvidas nesta cogestão. Paralelamente a isso, faço investigação científica, onde publico algumas informações de acordo com o que encontro e pesquiso. Além disso, trabalho como fotógrafo de conservação, em especial na vertente marinha, mais especificamente a parte subaquática. Estou envolvido em vários projetos, já que muito deles se sobrepõem. Por exemplo, vou às Berlengas e se vejo algum comportamento que seja pouco normal na ecologia marinha, registo-o em fotografia. Assim, é possível torná-lo transmissível e acessível aos outros. Dessa forma, uso a fotografia como forma de comunicação para o público em geral. Portanto, é uma união de vários trabalhos que se interligam diversas vezes.

Como iniciou a paixão que tem pelo mar?
Eu penso que foi essencialmente transmitido pelo meu avô materno, que era médico e nas horas vagas ia muito à pesca, coisa que eu comecei a fazer desde muito pequeno com ele. Portanto, comecei a ir à pesca e imediatamente a conectar-me com a natureza e em particular com o meio aquático e com os peixes.  Para além disso, o meu avô tinha conhecimentos acerca de outros animais, sobre os frutos e sobre botânica. Acho que ele foi a principal influência na minha paixão pela natureza e, mais particularmente, pelo mar. Eu lembro-me que todos os verões nós íamos até ao Algarve e passávamos horas nas poças que resultam das marés a pescar e a apanhar peixe e caranguejos. Portanto, acho que foi daí que nasceu esta minha paixão, esse meu fascínio pelo mar.

Quando é que começou a fotografar?
A fotografia não foi por acidente, mas digamos que foi quase por acidente. Na época fotografava-se com filme com rolo. Havia câmaras descartáveis, daquelas que se comprava nas lojas de fotografia e que eram a prova de água. Eram feitas de plástico, mas permitiam mergulhar até uns 10 metros abaixo de água e fazer 24 ou 32 fotografias, que normalmente era a quantidade que o rolo permitia. A minha primeira experiência de fotografia subaquática foi quando tinha 12 anos e foi com uma dessas câmaras. Mais tarde, fui para Peniche estudar Biologia Marinha. Imediatamente tirei a certificação de mergulho e comecei a mergulhar regularmente. No final do curso surgiu um projeto para eu trabalhar num livro sobre as espécies subaquáticas das Berlengas. Eu mergulhava com frequência para registar as espécies e saber o que existia. E eu lembro-me que na universidade havia uma câmara digital com uma caixa estanque a que ninguém dava uso. Então perguntei ao professor da escola se poderia usá-la e ele acedeu ao meu pedido. Foi assim que comecei a fotografar a vida marinha, em particular as espécies que eu ia observando nas Berlengas. Através desta atividade, consegui compilar um guia fotográfico que foi publicado em 2008, com muitas fotografias minhas, de várias espécies existentes aqui na nossa costa.

O que é que o oceano representa para si?
Grande parte da minha vida é o mar, porque desde cedo esta paixão existe. Isso fez com que minha carreira profissional fosse inteiramente ligada ao mar e o mesmo acontece na minha vida pessoal. Há um filme que dizia que um filhote de leão marinho nunca sai de férias quando está perto do mar, a minha vida é um bocado assim. Eu vivo perto do mar e, quando estou de férias, quase sempre vou para perto do mar. E vou sempre com aquele espírito de explorador, com a cabeça mais científica, querendo saber um pouco mais sobre o oceano. Então, eu diria que o mar está presente em tudo o que é minha vida hoje.

Qual é o público-alvo das suas fotografias?
Depende do projeto. Alguns podem requerer certo tipo de imagens, que são mais difíceis de obter. Mas, regra geral, a ideia passa por chegar ao máximo de gente possível, para alertar para as belezas que existem no fundo do mar, mas também para as ameaças que enfrentam. Portanto, quanto maior for o alcance do meu trabalho, melhor.

Quais são os maiores desafios para um fotógrafo marinho?
O tempo. Nós queremos fazer muita coisa, muitos projetos, mas o tempo acaba por ser um fator limitante. Claro que o orçamento pode limitar algumas ideias, mas o tempo é o fator mais limitante.

Quais são, atualmente, as maiores ameaças para o oceano e a vida marinha?
O plástico acaba por significar um problema grande. Depois, é a poluição, mas atenção: há outros tipos de poluição extremamente preocupantes. Além da poluição, eu diria a sobrepesca – é a captura ou extração de recursos marinhos pelo homem a um ritmo muito mais acelerado do que esses organismos têm a capacidade de se reproduzir. Esse é hoje um dos maiores problemas que os ecossistemas marinhos enfrentam. Há também a questão das alterações climáticas, do aquecimento global, com consequências claramente percetíveis, que são provocadas essencialmente por atividades humanas e pelas emissões de carbono em grandes quantidades, conduzindo ao aquecimento do planeta.

Já mergulha há mais de 20 anos. Para si, do que já viu, quais são, atualmente, os materiais que mais contribuem para a poluição do oceano?
Não diria que eu tenha assistido pessoalmente a mudanças trágicas. Apesar de tudo, 20 anos em termos de escala temporal e evolutiva é um curto período de tempo. Mas, ainda assim, é um período em que muita coisa me tem passado à frente dos olhos e isso, sim, deixa-me seriamente preocupado, porque prevejo que pode ser trágico no futuro. Em 20 anos assisti a algumas mudanças a um ritmo acelerado, nomeadamente a escassez de peixe. Eu vejo, aqui nas Berlengas e em Peniche, as regiões que conheço melhor, cada vez menos peixe. As espécies mais pequenas estão a desaparecer e há estudos que comprovam isso. Há uma perda de biodiversidade. Vejo também a questão da poluição, essencialmente o plástico. Há 20 anos, quando mergulhava, encontrava algum lixo no fundo do mar; hoje em dia, é assustador o aumento desses materiais, dos quais destaco o plástico descartável, que é, de facto, um flagelo tremendo a nível mundial.

Desses plásticos que refere, quais são os materiais e produtos que mais encontra no oceano quando mergulha?
O que encontro essencialmente são materiais de pesca. A chamada “pesca fantasma”, que é entendida como qualquer utensílio de pesca perdido ou abandonado pelos pescadores, que fica no fundo do mar. Essa “pesca fantasma” é um problema sério que todos os anos mata milhares de animais marinhos. É uma questão que temos de inverter, porque, de facto, causa perdas irreparáveis para o meio marinho. No geral, vejo utensílios de pesca como: armadilhas, redes, linhas e anzóis – estes últimos em maiores quantidades.

O que está mais ameaçado no oceano da costa portuguesa?
Em Portugal temos várias espécies de vidas marinhas ameaçadas, como tartarugas, golfinhos e baleias. Mas além das espécies ameaçadas, temos habitats que estão a desaparecer a um ritmo muito elevado através de ações humanas. É importante inverter essa questão rapidamente para que muitas das espécies que estão associadas aos habitats não desapareçam. Basicamente, estamos a destruir a casa das espécies. Por exemplo, temos “pradarias marinhas” extremamente ricas e importantes para a vida marinha, que são habitats que armazenam carbono, portanto a sua destruição expõe o carbono e, consequentemente, aumentam os gases do efeito de estufa e a temperatura do planeta. Há também as “florestas de kelp” (algas castanhas de grandes dimensões) que existem por toda costa portuguesa, essencialmente no norte. Funcionam como um ecossistema estruturante, elementar para muitas espécies de vida marinha. Além disso, existem grandes bancos de corais na costa portuguesa. Tudo isso são ecossistemas extremamente sensíveis e que estão em séria ameaça por questões antropogénicas.

Perante essas ameaças, quais são os desafios que Portugal enfrenta para proteger o seu ecossistema marinho?
Em Portugal temos várias questões. A legislação, por exemplo, encontra-se desatualizada. Permite ainda, por exemplo, a exploração não sustentável de muitos recursos marinhos. Além disso, existe muita permeabilidade relativamente a práticas que podem ser altamente destrutivas para os ecossistemas marinhos. Algumas são permitidas, por incrível que pareça. Há ainda, a questão do incumprimento das regras, nas quais as pessoas simplesmente decidem ignorar e transgredir a lei. A falta de policiamento e de vigilância, que, por vezes, acontece por falta de recursos, é também um problema. Essas são algumas questões que importa resolver rapidamente para garantir a sobrevivência dos ecossistemas ameaçados. Mas essencialmente, e parece-me que esta é a questão principal, falta educar e sensibilizar as pessoas. É preciso uma aposta muito forte na educação e na sensibilização ambiental. É importante trabalhar com várias faixas etárias, especialmente com crianças, pois serão elas quem amanhã irá decidir. É fundamental formar as crianças para que elas tenham a devida apreciação da importância da manutenção e preservação da biodiversidade e dos ecossistemas, para que assim consigamos viver num planeta habitável e com condições de vida. Nós temos esse direito, mas os animais, que já cá existiam, também o têm.

E o cidadão comum, o que pode fazer para proteger a vida marinha?
Há imensas coisas que podemos fazer. Primeiramente, procurarmos fontes fiáveis de informação, não acreditar em tudo o que vemos no Facebook. Além disso, podemos envolver-nos em ações que existem pelo país. Depois, também podemos participar em iniciativas para conhecer a vida marinha. Há imensas atividades que nos permitem estar mais perto do mar e da vida marinha, como a limpeza de praia, por exemplo. É necessário conhecermos mais e só conhecendo é que começamos a desenvolver empatia e, após gostarmos das coisas, estamos dispostos a preservá-las. Portanto, é importante nós estarmos dispostos a aprender sobre esses assuntos. Outro fator importante está relacionado com o consumo. É necessário sermos consumidores conscientes. É fundamental procurarmos opções que são sustentáveis. Devemos recusar a pesca de arrasto, um autêntico crime ambiental, o qual penso que será abolido mundialmente em dez, quinze anos. Espero eu. Pesca de arrasto é um crime ambiental e será curioso no futuro olharmos para trás e tentarmos compreender como é que se permitiu que esta atividade acontecesse sabendo o que sabemos hoje. Hoje em dia, quase todos peixes que estão em exposição, quando vamos às compras, têm uma etiqueta que diz onde foi capturado, a técnica e o tipo de pesca utilizado. Essa informação está disponível ao consumidor. Assim, podemos optar por produtos com preocupações ecológicas. Além disso, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), o Oceanário de Lisboa e várias associações trabalham para ajudar o consumidor a fazer a escolha certa, isto é, de espécies que não estão ameaçadas, que são capturadas de modo sustentável e provenientes de stocks de pesca estáveis e equilibrados. Parte de nós, consumidores, optarmos, cada vez mais, por opções mais conscientes e sustentáveis e a indústria responderá. Dessa forma, estamos a mudar a indústria toda ao invés de esperar que venha nova legislação e novas práticas. É fundamental trabalharmos de baixo para cima para invertermos esta situação o mais rapidamente possível.

Texto: Isaque Fernandes
Foto: gentilmente cedida pelo entrevistado