Raízes vivas: celebrando a identidade cultural do Equador

Poste colorido com indicações de várias localidades do Equador e respetivas distâncias.

Dentro da vasta riqueza de um pequeno país como o Equador, existem costumes únicos presentes nos seus pratos típicos e crenças em torno de três importantes festividades: o Dia dos Mortos, a Páscoa e a Passagem de Ano Novo. As formas singulares de celebrar estas datas são o que destaca a abundância de tradições, a sua cultura e o tesouro escondido que é este território.

O dia 2 de novembro ocupa um lugar especial na tradição cultural do Equador: O Dia dos Defuntos. A data assinala a recordação dos entes queridos que faleceram, um costume enraizado nos lares equatorianos durante a comemoração através da preparação e consumo da “colada morada e das guaguas de pão”. São dois elementos essenciais nas mesas dos equatorianos que, nesta altura, são utilizados para honrar os antepassados e fortalecer os laços familiares, num ambiente propício à partilha de anedotas e vivências.

A tradição tem origens profundas nas crenças indígenas e mestiças, é assim que Andrea Bernal, de 38 anos, descreve o significado próprio da colada morada. Trata-se de uma bebida, cuja cor roxa se tinge com as lembranças e o luto. Mais do que uma mistura de frutas e especiarias, é um laço espiritual com os finados.

“A colada morada representa a conexão com nossos entes queridos falecidos. Antes da chegada dos espanhóis, na nossa cultura homenageávamos os defuntos de diversas maneiras, mas com a conquista ocorreu a fusão de tradições e assim nasceu esta maravilhosa tradição”, explica a cozinheira natural de Quito, no Equador.

A receita é baseada em farinha de milho roxo, frutas como amoras e abacaxis, ervas aromáticas e especiarias, resultando numa mistura espessa servida quente. Andrea Bernal refere que “a cor escura simboliza o luto, enquanto o sabor doce evoca a doçura das lembranças compartilhadas com aqueles que já não estão fisicamente presentes”.

As guaguas de pão assumem a forma de figurinhas de padaria consideradas tesouros, que sugerem captar a essência dos entes queridos e tornarem-se vínculo tangível entre o mundo terreno e o espiritual. “A guagua de pão, na verdade, representa crianças ou bebés, enfatizando o seu nome, pois guagua significa ‘bebé’ ou ‘criança’ em quichua, a nossa língua originária do Equador. No entanto, diz-se também que é interpretado como um morto, uma vez que os nossos antepassados tinham o hábito de desenterrar os mortos para celebrar com eles. Por isso, atualmente, são feitos pães”, conta Carmen Taipe, de 64 anos, a propósito do significado deste pão.

Farinha de trigo, água e açúcar são os ingredientes da guagua de pão que, depois, são decoradas com cores brilhantes e, na maioria, recheadas de manjar, geleia, chocolate ou queijo. “Estes pães representam os mortos e são uma maneira de recordá-los e honrá-los”, acrescenta Carmen Taipe, também residente na capital equatoriana.

A Páscoa da tradição e da devoção

A festividade ligada à cultura religiosa que celebra a paixão, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo é celebrada todos os anos com a primeira lua cheia da primavera, no final do mês de março ou em abril. Alguns dias incluem diferentes tradições, como a Quarta-feira de Cinzas, em que o manto é endossado volta da catedral para que todos os que o tocam recebam as virtudes de Jesus. Na missa, o padre desenha uma cruz com cinzas na testa das pessoas.

No Domingo de Ramos, a procissão inicia na Igreja Basílica, em Quito. As pessoas percorrem as ruas com uma estátua de Jesus acompanhada de bailarinos folclóricos vestidos com trajes indígenas. Na Quinta-feira Santa, visitam-se sete igrejas emblemáticas, na capital do Equador, celebrando a viagem que Jesus fez até ao Calvário. Na Sexta-feira Santa, na procissão “Jesus del Gran Poder”, os cucuruchos [pessoas disfarçadas] são os protagonistas, cobertos por um traje roxo, descalços e prontos a expiar os seus pecados, junto com os devotos que transportam cruzes para mostrar compaixão. O «Sábado da Glória» é um dia de oração. O Domingo de Páscoa é o dia da ressurreição, em que os crentes se juntam para celebrar o regresso de Jesus.

A tradição consiste em reunir a família para comer 12 pratos específicos, a partir da ideia de que os apóstolos trouxeram uma refeição para a última ceia com Jesus. As refeições variam consoante a região do país, mas o prato principal é a fanesca, uma sopa elaborada que tem sua essência na mistura de 12 diferentes grãos.

“A Páscoa é um tempo de partilha em família, é uma forma de manter as nossas tradições, as mesmas que aprendi desde criança, e ensinar aos mais jovens para que eles também as preservem”, explica a equatoriana Mónica Baquero, de 55 anos.

Para Sandra Sanchez, médica dentista de 53 anos, “a Páscoa é a celebração mais importante da igreja cristã, onde assinalamos a morte e a ressurreição de Jesus ao terceiro dia”.

Nesta celebração todos participam. “O que mais gostamos é que todos contribuem para a preparação da sopa, desde os mais pequenos a amassar bolinhas de farinha até os mais velhos a preparar a sopa tradicional”, conta Mónica Baquero.

Mas, afinal, como se prepara a fanesca, o prato principal? Mónica Baquero explica a receita: “Para preparar a fanesca, numa base de abóbora-manteiga bem condimentada com cebola, alho e muitas especiarias, adicionam-se os 12 grãos (milho, ervilha, feijão, entre outros grãos andinos) descascados e cozidos. Também são adicionados leite, creme de leite, pasta de amendoim e queijo. Cozinha-se até que tudo fique macio. Na hora de servir, decora-se com bolinhos e empanadas fritas, rodelas de banana-da-terra frita, fatias de queijo, pedaços de bacalhau, ovo cozido, pimentão e salsa.”

Para Sandra Sanchez, outra tradição importante é assistir à missa no Domingo de Ressurreição, assim como seguir os costumes: “Jejuar durante toda a semana entre as refeições. Não comer carne vermelha. Não tomar banho, pois diz-se que quem o faz se transforma em peixe.”

Hugo Játiva, de 83 anos, natural do Equador, ressalta que é uma “data imprescindível” na sua família: “É uma maneira de manter as tradições vivas, partilhar momentos que ficarão para as novas gerações e que levaremos connosco daqueles que já não estão entre nós.”

Entre Bonecos e Testamentos: Ano Velho no Equador

A passagem de ano não é apenas a contagem do tempo, é uma celebração rica em tradição, criatividade e reflexão. Ángela Bravo, equatoriana natural de Mindo, partilha entusiasticamente a tradição da elaboração de bonecos na sua família.

“Cada boneco, meticulosamente confecionado à mão, torna-se um quadro que narra as histórias e eventos mais marcantes do ano que está prestes a findar. A magia começa com a reunião familiar para dar vida a estes personagens, utilizando materiais simples, como roupas velhas e papel. O resultado é uma expressão criativa que transcende a arte, transformando-se numa manifestação única das experiências compartilhadas”, decreve a jovem de 21 anos, bancária.

Depois disso, é costume fazerem-se testamentos humorísticos. Quem o explica é a estudante Johana Ramon, de San Miguel de los Bancos, no Equador: “Após a criação dos bonecos, a família embarca na tarefa de redigir testamentos, que vão desde piadas engenhosas até reflexões humorísticas sobre os eventos do ano. Estes escritos, lidos em voz alta durante a queima dos bonecos, acrescentam um toque de humor e cumplicidade à celebração, transformando cada testamento num capítulo memorável na história familiar.”

Na noite de 31 de dezembro, as famílias equatorianas reúnem-se ao redor de fogueiras para a queima simbólica dos bonecos. As chamas consomem os objetos enquanto os testamentos são lidos. O ritual representa a despedida do passado e a receção do novo ano com otimismo e renovação. A dança das chamas ilumina o céu, simbolizando a purificação do caminho para novas experiências.

Ángela Bravo recorda um testamento humorístico que incluía uma lista de propósitos cómicos para o próximo ano, uma ideia tão divertida que se integra como uma tradição real. Essa anedota reflete a capacidade das tradições do Ano Velho para inspirar novas formas de celebrar e unir as famílias.

As tradições do Ano Velho, no Equador, desde a criação dos bonecos até às risadas partilhadas em volta da fogueira, são a essência da identidade equatoriana, forjando memórias duradouras e marcando o início de novos capítulos cheios de esperança. As festividades são um reflexo da devoção e das tradições que ecoam através das gerações. A sua celebração destaca a importância da fé, da cultura e do legado histórico que enriquece a identidade do país. Como diz Hugo Játiva, “continuar a celebrar as tradições é a forma de manter viva a essência das raízes”.

Texto: Alexia Vieira | Beatriz Silva | Daniela Oliveira | Ely Costa | Mariana Fernandes
Fotos: Alexander Schimmeck | Juan Ordonez | Unsplash