Dentro e fora de campo: os desafios de uma vida dupla

O ensino superior é sinónimo de muito trabalho e dedicação, capaz de levar os estudantes a elevados níveis de cansaço. Há, no entanto, jovens que tentam equilibrar a vida académica com compromissos desportivos diários, ultrapassando desafios físicos, mentais e emocionais. Como lidam com a pressão? O que os motiva?

Durante a época desportiva 2022/2023, o Politécnico de Leiria conquistou 26 medalhas em diversas modalidades. Joana Ramalho, Francisco Beirante e Rúben Antunes foram alguns dos medalhados que representaram a instituição e lhe concederam mérito. Todavia, a sua jornada única é acompanhada de diversas dificuldades que não estão à vista de todos.

Infografia com a indicação do número e tipo de medalhas ganhas pelos estudantes-atletas do Politécnico de Leiria nas épocas de 2022–2023 e de 2023–2024. Têm o formato de duas medalhas, uma para cada temporada. À esquerda, a medalha da temporada 2022–2023 indica que foram ganhas 10 medalhas de ouro, 9 de bronze e 7 de prata. Na medalha à direita, correspondente à temporada de 2023–2024, até dia 19 de maio, foram amealhadas 7 medalhas de ouro, 4 de bronze e 3 de prata.

Número de medalhas ganhas pelo Politécnico de Leiria
(épocas 2022–2023 e 2023–2024, até à data de 19 de maio de 2024)

Joana Ramalho, de 19 anos, pratica andebol há dez e cursa a licenciatura em Fisioterapia. Passa mais de dez horas por semana a treinar e realça o desafio em gerir os horários. Faz parte da equipa que, no dia 18 de abril deste ano, se sagrou vice-campeã nacional, mas refere que gostava de ter mais tempo para se focar no desporto. “Torna-se complicado conseguir conciliar as competições com a escola”, afirma a atleta.

Rúben Antunes, de 25 anos, estuda na licenciatura em Engenharia Informática e partilha da mesma opinião, acrescentando que “não é fácil conseguir conciliar ambas as carreiras”, nomeadamente, “conciliar treinos, estágios e competições com as aulas e avaliações”. Afirma, por isso, que “por vezes é necessário abdicar de alguns momentos, tanto na vida pessoal, como na carreira académica e desportiva”. O campeão nacional de lançamento do martelo em 2023 e representante de Portugal nos Jogos Mundiais Universitários na China, no mesmo ano, sublinha o papel dos treinadores enquanto parte essencial na evolução do atleta “de forma a que tenha os melhores resultados desportivos”.

Num dia normal, Francisco Beirante, de 20 anos, estudante da licenciatura em Desporto e Bem-Estar, concilia aulas com ginásio, treinos a uma equipa infantil e os seus próprios treinos na equipa sénior. Influenciado pelo pai já ligado à modalidade, pratica hóquei em patins desde a infância. Jogou pelo Politécnico no campeonato em que, a 15 de março de 2023, a academia leiriense se sagrou campeã nacional universitária. Também reconhece que o papel dos treinadores é fundamental no apoio emocional. “Se não estamos bem num lado, vai-se sentir no outro, tanto na escola como no desporto”, declara.

Joana Ramalho | Andebol

Incentivo ao desporto universitário

Na conciliação entre estudos, modalidades desportivas e vida pessoal, os estudantes elogiam a existência de um estatuto de Estudante-Atleta que lhes permite melhor conciliar a vida académica com a vida desportiva, mas referem também poder haver melhorias, nomeadamente, uma maior compreensão por parte dos professores quanto à sua condição. “Ainda não aceitam muito bem os estudantes-atletas”, revela Joana Ramalho. A atleta afirma que conseguiu sempre reagendar avaliações, por exemplo, mas assinala que existe ainda resistência de docentes em alterar datas de avaliações, que é um dos direitos estipulados pelo estatuto.

O Estatuto Estudante-atleta oferece a oportunidade de escolher horários e turnos, justificar faltas e alterar
datas de avaliações coincidentes com competições, bem como usufruir da possibilidade de inscrição na época especial de exames. Em contrapartida, para a manutenção do estatuto, os estudantes-atletas têm de cumprir com determinados critérios de sucesso escolar.

Ainda que existam estes benefícios, o processo até os usufruir pode não ser célere. Rúben Antunes partilha a sua experiência e conta que “a atribuição do estatuto requer bastante burocracia e é muitas vezes um processo demorado, o que se torna um obstáculo, visto que este estatuto é fundamental para conciliar as avaliações com as competições”. Além disto, nota alguma “resistência” por parte dos serviços académicos na atribuição deste apoio e já sentiu não estarem a ser cumpridos alguns dos seus direitos.

Também Francisco Beirante teve uma experiência menos positiva com o pedido do estatuto. Quando precisou de comunicar com os Serviços de Ação Social, acerca de uma possível alteração ao seu horário, menciona nunca ter conseguido “uma resposta conclusiva”.

Numa perspetiva semelhante, Joana Ramalho relata que, mesmo já o tendo feito diversas vezes, todo o processo de justificar faltas é muito demorado, o que leva a um atraso significativo na reposição de alguns momentos de avaliação. No entanto, aprecia o facto de poder faltar justificadamente e de conseguir um local de estágio que lhe possibilita manter-se perto dos locais de treino. De forma a agilizar os processos, a estudante sugere que, ao invés de ser necessário passar pelos Serviços Académicos, o Setor do Desporto do Politécnico de Leiria pudesse assumir a responsabilidade por este sistema.

Rúben Antunes | Lançamento do martelo

Para cada problema, uma solução

Cândida Bairrada, responsável pelo Setor do Desporto no Politécnico de Leiria, realça que, de momento, a instituição é a única a nível nacional a estender o estatuto a outras áreas para além do Desporto Universitário: “O nosso estatuto vai mais além, porque engloba, por exemplo, os estudantes dos Conservatórios de Dança”.

Não nega, no entanto, que alguns dos processos podem ser demorados, ainda que dependa também da forma como os atletas conduzem o processo. “Muitas vezes os estudantes fazem uma parte do percurso e não o terminam”, afirma. Acrescenta ainda que tal pode acontecer devido a uma falta de compreensão das etapas necessárias no processo. Por esta razão, demonstra interesse na melhoria da comunicação entre o Instituto e os estudantes, pois considera que os meios utilizados para disseminar informação são pouco intuitivos e eficientes.

Esta dificuldade em comunicar origina contratempos nas inscrições, devido às burocracias e solicitações extensas de informação que, segundo Cândida Bairrada, fazem muitos estudantes perder o interesse e, consequentemente, não avançar com a própria inscrição como estudante-atleta. A responsável do Setor do Desporto refere que os alunos “têm dificuldade em ver informação que vem por email, informação que não seja rápida e que não seja vista em dois cliques”. E exemplifica: “Existem 15 mil estudantes e nós temos 10 mil estudantes que clicam. E depois temos 3 mil estudantes que realmente efetuam [a inscrição]”.

Como solução para alguns dos desafios encontrados, foi implementado, este ano, no Politécnico de Leiria o projeto-piloto “Unidade de Apoio ao Alto Rendimento no Ensino Superior (UAARESuperior)”. Cândida Bairrada afirma que se trata de uma “mais-valia” com o principal objetivo de melhorar e reforçar o estatuto já existente na instituição, contribuindo para uma maior captação de estudantes no desporto universitário e para mais oportunidades em que seja possível conciliar as duas ocupações. “É importante que os estudantes-atletas, quando entram no ensino superior, saibam que vão ter apoio para continuar a fazer as duas coisas e continuar a ter condições para as realizar”, acrescenta.

Francisco Beirante | Hóquei em patins

Uma visão futura

Os estudantes entrevistados finalizam com um balanço sobre o desporto universitário em Portugal, caracterizando-o como ainda pouco reconhecido. Rúben Antunes compara a relevância dada a nível nacional com o cenário dos Estados Unidos, que possuem uma presença significativa neste campo. “São poucas as competições nacionais promovidas por esta área e é pouco o incentivo para a participação”, comenta. Joana Ramalho e Francisco Beirante também consideram que o desporto no ensino superior apresenta ainda pouca visibilidade. Contudo, para a estudante de Fisioterapia, o futuro parece trazer alguma esperança para as modalidades em contexto académico: “Vão tendo cada vez mais adesão e vão começando a crescer cada vez mais”.

Representar seleções e conseguir representação em competições internacionais é o objetivo futuro de Rúben Alves. Até lá sublinha os benefícios que a conciliação entre escola e desporto lhe têm trazido como “a capacidade de organização e de gestão de tempo, capacidade de comunicação e de resolução de problemas”.

A gestão de tempo é também sublinhada por Joana Ramalho: “Se tenho aquela hora, tenho de me focar obrigatoriamente naquela hora”. A estudante ambiciona também “ter boas notas e acabar o curso”, bem como “ser chamada à Seleção Nacional e conseguir os melhores resultados a nível do clube.”

À-vontade em várias situações e aprender a “lidar com pessoas” são as competências indicadas por
Francisco Beirante, que ambiciona continuar a conciliar os dois mundos: manter a carreira desportiva e ingressar num mestrado em Educação Física.

Texto: Alexandre Cordeiro | Aléxia Vieira | Ana Matilde Reis | Carina Silva
Fotos: gentilmente cedidas pelos entrevistados