Jüra: Quero ser um exemplo de liberdade na criação

Jüra, cantora e compositora, afirma escrever com emoção e cantar a sua verdade. Originalmente de Alcobaça, foi para Lisboa seguir o seu sonho: as artes. Estudou teatro e dança, mas é na música que encontra uma ligação emocional. Já encheu o Capitólio e sobe agora para palcos de festivais nacionais como o NOS Alive.

Como começou a tua paixão pela música?
Eu acho que a paixão pela música sempre existiu. Desde muito pequenina que gosto de cantarolar. Não tinha assim aquele sonho de miúda de ser cantora e tudo mais, mas era sempre a que fazia os teatros de Natal, que andava com o rádio e com o microfone na mão. Sempre gostei muito de tudo o que era expressão artística e cantar sempre foi uma forma de fugir da realidade. Lembro-me de andar de mota com o meu pai, é uma coisa que eu costumo contar, o barulho da mota, apagar o barulho do mundo, e eu começava a cantar porque me deixava ouvir a mim própria, entregar-me na melodia.

O que desencadeou a decisão de publicar a primeira música?
Bem, antes de editar uma canção e de gravar em estúdio e tudo mais, eu já fazia muitos diretos no Instagram. Gostava muito de fazer improvisos em beats e tudo começou a fazer sentido. Comecei a fazer canções também, que tinham um princípio, meio e fim. Esse caminho levou a essa urgência de partilhar o que existia só em mim ou em minha casa.

E como é que foi esse processo?
Foi tudo feito em família, com pessoas que me rodeavam e que fui conhecendo. Gravei És o Amor no estúdio da ETIC [Escola de Tecnologias Inovação e Criação] com o Filipe Miranda, que é um amigo meu, e por isso foi tudo assim meio homemade. Fizemos a cena em casa, depois fomos só gravar, ele mixou e masterizou e ficou.

Sabemos que estudaste teatro e dança, o que te fez optar por seguires o caminho da música?
Eu estudei circo no Chapitô e fiz o 9.º grau do Conservatório de Dança, mas é na música que eu encontro lugar para me deixar ser, sem pensar. Ou seja, a minha ligação com a música é mesmo muito, muito, muito emocional e por isso é o meu lugar preferido. Eu descobri na música a liberdade total e a conexão total comigo própria. É na música que eu me ouço, que me expresso e me apresento. É o meu lugar. Sinto que as outras áreas me trouxeram uma “bagagem” muito grande em termos de estudos artísticos, que depois também ajudam em tudo isto que a música também é.

Que relações vês entre as diferentes expressões artísticas?
Sinto que a dança é a melodia do corpo, o teatro é quase como encarnar outras pessoas, criar pessoas dentro de nós. Na música é a verdade que impera.

Em que papel te sentes mais confortável, a cantar, a compor ou a escrever?
Sinto-me muito confortável nas três áreas. Tanto a cantar, como a compor, como a escrever. As minhas canções nascem com tudo isto ao mesmo tempo. Em estúdio, e mesmo em casa, a cantar em beats, a melodia já vem com a emoção do que estou a sentir naquele dia, naquela hora, naquela fase e já vem com palavras e com melodia. Por isso, acho que tudo acontece mais ou menos ao mesmo tempo.

Qual consideras ser o teu papel na representação da cultura e identidade portuguesa através da tua música?
Não considero como ter um papel, mas quero muito inspirar as pessoas a que mergulhem nelas e se deixem expressar, se conheçam e procurem até encontrar. Às vezes encontramos coisas diferentes do que procuramos, mas acho muito importante procurarmos quem somos e termos coragem para mostrar isso aos outros. Quero ser um exemplo de liberdade na criação.

Qual o sentimento ou a mensagem que tentas passar com as tuas músicas?
Nas minhas canções, o que transmito é verdade. Para mim fazer canções é muito egoísta. Nunca vou para estúdio a querer passar uma mensagem, mas sim a querer ref letir sobre o que estou a viver e eternizar isso. Mas o mais importante é que é tudo verdade.

Qual é a tua opinião sobre a voz que é dada aos jovens?
Sinto que estamos numa era em que há cada vez mais jovens formados, interessados, criativos e que valorizam as vivências, mas também valorizam muito o estar de bem com a vida, o estar de bem com o mundo e ser consciente, mas acho que ainda há muito por ouvir. Ainda há muito jovem que tem feito muita coisa e que está a mudar o mundo devagarinho e que ainda não é ouvido. Acho que continuamos com o poder em idades muito adultas e penso que os jovens têm muita coisa para dar em cargos importantes, porque trazem outra consciência.

Que causas te mobilizam?
Resumidamente, o meu coração bate muito forte para com este desejo de que o mundo se torne um lugar justo para todos. Um lugar seguro para todos. Isto embarca muitas causas, mas, no geral, acho que estou com todos, com todos os que não se sentem seguros, com todos os que ainda não têm os seus direitos defendidos, com todos os que não vivem em liberdade.

Voltando à música, como funciona o teu processo criativo?
Eu gosto de fazer canções só quando as posso gravar e, por isso, não sou pessoa de escrever em casa e de pensar em melodias… às vezes até faço isso, mas acabo por não usar nada do que escrevo e nada do que gravo no meu telemóvel. Gosto de ir para o estúdio, começamos uma ideia juntos, depois eu deixo o produtor viajar um bocadinho. Vimos se estamos nas mesmas frequências e depois começo a “entrar na onda” e começam-me a sair melodias. Começo a procurar em mim o que estou a sentir e começo a escrever. Aí, sim, gravamos.

Sendo uma artista nova e em ascensão, com certeza que os primeiros tempos não são os mais fáceis. Qual consideras ter sido o teu maior obstáculo até ao dia de hoje?
Não vejo isto como um obstáculo, mas o mais difícil é que a nossa música chegue às pessoas. Isso é o mais difícil neste processo todo. É fazer com que elas cheguem a corações, a mais e mais corações.

Consideras viável para um jovem artista viver da música em Portugal?
É muito, muito, muito, muito, muito difícil viver da música em Portugal, ainda mais quando a carreira se está a construir. Há aqueles casos em que há um hit e pronto, e aí se calhar pode ser mais fácil porque os números são dinheiro, mas para quem está a construir uma carreira é muito difícil, mesmo muito difícil. Se não tiver de dizer mesmo impossível.

Qual foi a sensação de pisar um palco pela primeira vez? O que é que sentiste?
Eu já pisei em muitos, muitos palcos, desde pequena… na dança, no circo… O meu primeiro concerto foi no [Estúdio] Time Out. Foi muito especial, porque tive lá a minha avó e, por isso, está no top dos mais especiais de sempre, para sempre. Senti-me muito confortável e feliz por poder finalmente partilhar as minhas canções de perto e ouvir as pessoas a cantar comigo.

Qual dirias ser um momento memorável da tua carreira?
Acho que o momento mais memorável foi mesmo esse meu primeiro concerto, a ouvir toda a gente a cantar o És o Amor com a minha avó presente no Time Out. Sem dúvida que vai ser para sempre o mais especial.

Que nome te vem à cabeça quando pensas em alguémque admiras pela forma como se conecta com o público?
Eu amo a Erykah Badu. Sinto que é uma mulher que está muito conectada com o mundo, com as pessoas. Gosto muito dela e da Willow Smith também.

Em março foste anunciada como nova confirmação no NOS Alive, como é que te sentes a pisar um palco desta dimensão?
NOS Alive é maravilhoso! Já estivemos lá há dois anos, no palco Coreto, e agora vamos para o palco Heineken. É mais uma escadinha que se sobe. Estou muito feliz porque é um festival de referência e é ótimo fazer parte dele num dia tão bom como o meu, em que vão estar maioritariamente mulheres de garra.

Como tem sido manter um equilíbrio entre a tua vida pessoal e profissional, especialmente agora, tendo uma carreira musical em ascensão?
Bem, para mim é fácil manter o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, porque quase se confunde! As pessoas com quem eu trabalho são muito minhas amigas e o meu namorado acompanha-me sempre, os meus pais acompanham-me sempre… Por isso acho que não faço a distinção, sinto que a minha vida é isso tudo.

Planos para o futuro, o que nos podes dizer? Algum projeto que esteja a ser planeado e que possas partilhar connosco?
O meu primeiro álbum está quase, quase, quase a sair, chama-se sortaminha e estou muito feliz por poder partilhá-lo. É um álbum que vem surpreender, tenho a certeza, porque traz sonoridades muito diferentes, traz todas as partes que também fazem parte de mim. Até aqui a música era muito o lugar onde eu acalmava e partilhava a dor que sentia. Achava mesmo que o amor e a dor viviam sempre ao lado um do outro e nunca um sem o outro, mas a minha vida mudou. Agora estou a viver um amor muito saudável e muito bonito e por isso este álbum traz uma nova visão do que é o amor e do que deve ser e desta intensidade de felicidade. Eu achava que nunca ia conseguir escrever canções felizes e acabei por fazer um álbum com elas e, por isso, estou muito feliz por poder partilhá-las. Estou muito orgulhosa!

Quais são as tuas expectativas para o futuro?
As minhas perspetivas são continuar a ser muito feliz a fazer canções, a fazer cada vez mais. Pisar cada vez mais palcos e chegar a cada vez mais corações. Sempre mais! Acho que é isso, fazer mais. Unir as artes, o circo, a dança à música, e criar coisas.

Texto: Catarina Rodrigues | India Ferro | Lia Domingues | Mariana Bagulho | Solange Silva
Fotos: gentilmente cedidas pela entrevistada