Street dance entusiasma Leiria

Mais do que um estilo de dança, a street dance é uma manifestação de identidade e cultura. Técnica livre, improviso, sentimento e ritmo cativam jovens que veem neste estilo uma forma de expressão única. Mas o que é a street dance?

Dos Estados Unidos para o mundo, a street dance ou as danças de rua, como o próprio nome indica, têm origem fora dos estúdios tradicionais, sendo que cada vez há mais escolas que procuram profissionalizar esta modalidade. Em Portugal, ganhou popularidade nos anos 90, com a influência da música e dos filmes americanos que apresentaram a cultura ao público geral. Com o passar dos anos, esta arte tem vindo a expandir-se especialmente nas grandes cidades, dando origem a novos estilos e eventos.

As danças de rua permitem explorar a criatividade e a imaginação dos artistas através da variedade de movimentos corporais que incluem. Dentro dos estilos que surgem constantemente, a música e a energia livre que transmitem são os elementos que fazem a ligação entre todos e que criam as comunidades.

Street dance é um termo geral utilizado para referir um conjunto de danças sociais, criadas de forma orgânica por grupos a partir das suas culturas. A street dance é composta por três estilos principais: o popping, o locking e o breaking, cada um com as suas características e técnicas específicas que, embora sirvam de base, é expectável que sejam alteradas por quem as executa. São estes os princípios que várias instituições artísticas abordam pelo mundo inteiro.

Em Leiria, o Projeto Community, de Stephanie Vieira e Marcelo Silva, destaca-se pelo trabalho que tem feito nesta área e pelo reconhecimento que tem trazido para a modalidade a nível nacional e internacional. Segundo Stephanie, “as danças de rua em Leiria são muito recentes, sendo igualmente muito recentes no mundo”, dado que muitos bailarinos que impulsionaram certos estilos da modalidade ainda estão vivos. O hip-hop, por exemplo, surge na cidade bastante associado ao fitness, bem como muitos dos seus precursores. Este género, como afirma Marcelo, foi introduzido aos poucos, maioritariamente através do desporto escolar nas várias escolas nacionais, com o incentivo de professores de educação física com algum tipo de formação para os ritmos urbanos. Além disso, a cultura de rua expandiu-se também através das discotecas e dos grupos que as frequentavam para “dançar só porque sim”.

Dada a liberdade permitida neste estilo, muitos jovens escolhem a dança como forma de expressão de prática de atividade física. “Para mim, a dança é o local onde eu me sinto segura, é o meu refúgio e onde os meus problemas todos acabam”, diz Léa, uma aluna do Projeto Community, com 13 anos.

Competições nacionais e internacionais

O Hip Hop International Portugal é a versão portuguesa do famoso campeonato internacional realizado anualmente nos Estados Unidos. Neste evento, os dançarinos competem em categorias distintas, como solo, duetos e grupos. A competição é amplamente reconhecida pelo seu rigor nos critérios de avaliação, que consideram não apenas a técnica e a sincronia, mas também a criatividade, o trabalho de equipa e o impacto visual das apresentações.

Outro evento importante é o Juste Debout, que tem origem em Paris e é considerado a maior plataforma internacional para estilos de dança como popping, locking e breaking, como se pode ler a partir do sítio online da iniciativa. As qualificações locais em Portugal oferecem uma oportunidade única aos dançarinos nacionais de serem apurados para a final, onde competem contra artistas de todo o mundo. Participar nas competições é uma possibilidade de os jovens e profissionais exibirem o seu potencial e criarem conexões significativas na indústria da dança. Os eventos não promovem apenas a excelência na modalidade, mas também fortalecem a comunidade de dançarinos em Portugal e no estrangeiro.

O papel dos formadores é bastante importante para a gestão de stress e de expectativas, tanto dos alunos como dos pais. No Projeto Community, Stephanie e Marcelo escolhem tentar proteger os jovens de forma a que mantenham o foco e não tomem demasiada atenção aos outros adversários. “A nossa forma de gerir é tentar tirá-los sempre da confusão, o máximo de tempo possível, para eles relaxarem”, confirma Stephanie.

A imagem que se faz da street dance não foi sempre igual ao longo do tempo. Inicialmente, o local de origem da dança foi motivo de estereótipos, como refere Marcelo: “As danças urbanas têm uma conotação mais negativa porque ‘urbano’ remete para ‘cidade’, mas é conotado com os bairros sociais de antigamente”.

Com o decorrer dos anos e a divulgação, a street dance deixou de ser desvalorizada e passou por uma transformação significativa na perceção por parte da sociedade e na indústria da dança. Hoje estes géneros são bastante procurados, o que reflete uma crescente apreciação da criatividade e da técnica que apresentam. Uma das maiores conquistas dos últimos tempos foi a inclusão do breaking enquanto modalidade olímpica. Com a sua estreia nos Jogos Olímpicos de Paris de 2024, a dança urbana fica marcada por um reconhecimento muito importante, que a confirma como uma forma de arte e um desporto.

Projeto Community

O Projeto Community, criado por Stephanie Vieira e Marcelo Silva, nasceu da vontade e da necessidade de valorizar e de dar visibilidade às danças urbanas como uma modalidade séria e profissional. Apesar do crescimento de estilos como o hip-hop, ainda falta reconhecimento formal e respeito por este tipo de dança em Portugal.

Os professores observam que muitos dos jovens talentos acabam por desistir de seguir o seu sonho no mundo da dança urbana devido à constante falta de opções educacionais que a reconheçam como uma carreira viável. Muitos pais incentivam os filhos a prosseguirem os estudos pelas opções mais convencionais, através do ensino superior.

“Perde-se muita gente talentosa… Não há um diploma em ciclo nenhum de estudos que permita que as pessoas sigam as danças urbanas e o nosso objetivo é que as pessoas vejam que é algo mais sério do que aparenta”, reforça Stephanie, professora do projeto.

Neste sentido, os fundadores da escola de dança adiantam que muitas companhias estão a valorizar cada vez mais os bailarinos de rua pela sua versatilidade e pela capacidade única de trazer formas inovadoras de expressão à área artística. Todavia, apesar de alguns já serem reconhecidos internacionalmente e de trabalharem com grandes companhias lá fora, em Portugal ainda é necessário valorizar formalmente estas danças.

O impacto no percurso dos jovens

A dança pode ter diversos impactos nas pessoas, começando pela saúde e pelo estilo de vida menos sedentário, com o treino de aspetos como a resistência, a coordenação e a força. Isto é particularmente vantajoso para os mais jovens que iniciam a sua jornada nas atividades desportivas extracurriculares.

Sofia Vendima, mãe de Afonso, que frequenta o Projeto Community, admite que a dança não é apenas o que se vê em palco. Envolve também “a disciplina, o compromisso” e todo um crescimento em várias áreas do desenvolvimento pessoal do filho. Apesar da distância que têm de percorrer desde Porto de Mós até Leiria para que Afonso possa participar nos treinos, enquanto pais, estão muito satisfeitos com “a evolução que ele tem tido” e referem que “ele está satisfeito e isso é o que interessa”.

Além disso, o progresso nos jovens que se envolvem em atividades extracurriculares é notório também a nível escolar, devido à resiliência e a todas as competências que desenvolvem através desta modalidade desportiva. “O facto de estarem a treinar mais tempo, seja dança, seja outra modalidade qualquer de que gostem, não tem necessariamente de impactar as notas de forma negativa, às vezes é mais pelo contrário”, comenta Stephanie Vieira, acrescentando que é comum os alunos chegarem mais cedo aos treinos e aproveitarem o tempo que têm para adiantar os estudos.

Segundo Marcelo, a noção de compromisso e de trabalho de equipa é também fundamental e constantemente fomentada na academia, o que faz com que os estudantes percebam “que não podem falhar com os colegas” pois estão “todos a trabalhar para o mesmo”.

O movimento da street dance vai para além de uma expressão artística. Procura ser uma forma de expressão genuína, onde cada um pode comunicar emoções e contar histórias, com o propósito de dar voz a diferentes culturas, principalmente aquelas que são pouco representadas, de forma que os seus
sentimentos, tradições e lutas sejam compreendidos através da dança.

Além disso, torna-se um espaço de crescimento pessoal e coletivo. Em cada passo, em cada atuação, os bailarinos desenvolvem não só conhecimentos técnicos, mas também valores cruciais, como o respeito, a noção de compromisso e o sentido de comunidade, palavra abraçada pelo Projeto Community.

Texto e fotos: Ana Madeira | Beatriz Teodoro | Joana Fernandes | Lara Mota