A Cicatriz: Retrato cru da dor humana

Capa do livro "A Cicatriz", de Maria Francisca Gama.
Apresenta uma versão pintada de um cenário de praia e mar. Ao fundo aparecem grandes montanhas.

Escrita por Maria Francisca Gama, a obra A Cicatriz destaca-se pela sua capacidade de provocar diferentes tipos de emoções aos seus leitores. A narrativa acompanha a história de um casal que vai em lua de mel para o Rio de Janeiro, numa viagem que, apesar de parecer, ao princípio, perfeita, se transforma numa experiência devastadora.

Um dos aspetos mais marcantes do livro é a forma como a narrativa é apresentada quase como um diário. A perspetiva na primeira pessoa – que faz com que vejamos a história pelos olhos da personagem principal – torna a leitura intensa. Sentimos cada detalhe da sua experiência, como se estivéssemos ao seu lado, a testemunhar tanto a fragilidade como a força que a situação exige. Outra das características mais impactantes de A Cicatriz é a forma como é abordado o sofrimento da personagem feminina. Sem revelar detalhes que comprometam a experiência da leitura, é notório que a autora consegue descrever, de forma quase palpável, o impacto físico e emocional causado por um acontecimento marcante. A metáfora da cicatriz, que percorre toda a narrativa, é profundamente simbólica e representa tanto a dor como a resiliência. A capacidade de Maria Francisca Gama para criar este nível de imersão é, sem dúvida, um dos maiores méritos da obra.

Ao longo da história, o leitor aprecia a felicidade inicial do casal e as paisagens do Rio de Janeiro, descritas detalhadamente. As descrições, que inicialmente parecem meramente poéticas, vão progressivamente assumindo um tom mais pesado, como uma sombra que antecipa algo terrível. Quando o momento de rutura finalmente chega, é devastador não só para as personagens, mas também para quem lê. É uma viragem na narrativa que, embora não seja explicitada em detalhes, carrega um peso insuportável.

A forma como Maria Francisca Gama aborda o tema da violência e do trauma também merece destaque. A autora escreve com alguma sensibilidade, mas sem romantizar o impacto do sofrimento. No entanto, a escolha de adiar a revelação do acontecimento principal até aos últimos capítulos pode dividir opiniões entre leitores. Por um lado, mantém o suspense e estimula o leitor a querer ler mais, mas, por outro, pode gerar alguma frustração porque nunca mais chega a parte em que tudo aconteceu.

A Cicatriz não é uma leitura fácil, nem pretende ser. É um livro que talvez não seja para todos. Exige coragem para enfrentar as realidades que apresenta, desafiando o leitor a refletir sobre os limites da resistência humana.

Texto: Inês Amendoeira | Lúcia Santos | Margarida Matias | Maria Madeira