Presencialmente ou online: Ler em comunidade

Ler uma obra em conjunto, partilhar gostos e opiniões sobre leituras ou fazer atividades relacionadas com os livros, os clubes de leitura funcionam com diferentes dinâmicas e há iniciativas para todos os gostos. Uma coisa parece certa: os livros continuam a juntar pessoas.

Há 12 anos que se reúnem na última quarta-feira do mês na área superior da livraria Arquivo. Sentados à volta de uma longa mesa e acompanhados de chá e bolinhos, são cerca de 13 os participantes do Clube de Leitura Arquivo. Trazem ao espaço as suas ideias sobre a leitura do mês. Sara Fabião, trabalhadora da Arquivo e uma das moderadoras do clube, descreve o ambiente das reuniões como “uma espécie de simbiose entre as pessoas”, um sentimento “quase comunitário”, uma partilha em torno do gosto de ler. A escolha do livro é feita democraticamente, o que leva os participantes a “ler e conhecer coisas diferentes”. Maria das Dores Henriques, membro do Clube, explica justamente que os encontros lhe permitem ler livros que “nunca na vida compraria”.

Neste espaço há também uma troca geracional, pois a pessoa mais velha tem quase 80 anos, enquanto a mais nova tem 20. Rosário Varela, a participante mais velha do grupo, é a única dos atuais membros que está desde o início e realça que, além dos livros, também discutem “casamentos, batizados e divórcios”, o que mostra o ambiente descontraído do clube. Paulo Kellerman, dinamizador da iniciativa, descreve o ambiente como “informal, familiar, caótico e acima de tudo respeitador das opiniões” e explica que “quem se junta ao clube já tem o gosto pela leitura”, mas vem para “falar sobre o que lê”.

Podemos conversar na biblioteca

Umas ruas abaixo, não muito longe dali, na Biblioteca Afonso Lopes Vieira, encontramos o clube Livros & C.ª, onde mensalmente se podem discutir livros. Mas não só. Para um público mais jovem, dos 10 aos 14 anos, a Biblioteca Municipal dinamiza também a “A Sociedade das Raposas”, onde os participantes recomendam e discutem os livros que cada um escolhe livremente. Ângela Pereira, bibliotecária e dinamizadora do projeto, vê o clube como “um espaço de liberdade de expressão”, já que muitos dos jovens gostam muito de ler, mas não têm “interlocutores” na escola. É um espaço onde partilham as suas leituras, havendo uma “abertura para todos os géneros”. Ângela Pereira considera este espaço um lugar de “leitura de prazer”, visto que a leitura obrigatória, “mas também importante”, fica a cargo das escolas.

Um dos membros, Luana, de 11 anos, explica que nas sessões cada um apresenta um livro e todos debatem as suas opiniões sobre essa obra, o que permite que cada um leia aquilo de que gosta e partilhe com o grupo. Nos encontros, além das leituras e das apresentações habituais dos livros, realizam-se diversas atividades, como teatros baseados em obras literárias e visitas em grupo, como quando foram à Feira do Livro.

Samuel, de 12 anos, afirma que conheceu o clube através do pai, que costuma estar a par dos eventos da cidade e que descobriu este grupo. Sabendo que o filho gosta de ler, propôs-lhe a ideia e ele acabou por vir. Bernardo, outra das “raposas” da sociedade, descobriu o clube nas mesmas circunstâncias: a mãe perguntou-lhe se gostava de participar e ele foi experimentar. Sobre a dinâmica do clube, Samuel diz que gosta das “diferenças de gostos” entre eles, o que lhes permite debater assuntos, levando-os a descobrir “novos gostos”. Bernardo aprecia ainda o facto de não ser nada “muito programado” e de haver liberdade para conversarem. Dizem que recomendariam o clube aos amigos porque “é divertido” e porque leem coisas variadas.

Ler por prazer também na academia

Orientado para jovens adultos, o Clube de Leitura Página 1 acompanha os leitores em fases seguintes, em contexto de ensino superior. Este é o clube desenvolvido pelos Serviços de Documentação, professores e estudantes do Politécnico de Leiria. Vera Miguel, técnica dos Serviços de Documentação e membro da equipa responsável, explica que o projeto envolve iniciativas próprias de cada escola e iniciativas direcionadas para toda a comunidade académica. O clube tem, para este ano letivo, o tema “Liberdade”, de modo a celebrar os 50 anos do 25 de Abril. A iniciativa surgiu em 2024 como resposta a um concurso de financiamento aberto para Clubes de Leitura no Ensino Superior pelo Plano Nacional de Leitura e tem por objetivo “impulsionar e contribuir para a promoção das mais diversas literacias, para a cultura e para um espírito crítico mais consciente e ativo”. Romain Gillain, diretor dos Serviços de Documentação, enquadra o clube no que deve ser a missão das Bibliotecas, promovendo atividades e espaços colaborativos que incentivem a interação e que contribuam para tornar as bibliotecas espaços acolhedores, relevantes e inclusivos.

Segundo Maria José Gamboa, dinamizadora das sessões na ESECS e também membro da equipa responsável pelo Página 1, à semelhança do que já acontecia em espaços como o clube de leitura e de escrita do Programa 60+, a decorrer na ESECS, o projeto procura incentivar o prazer da leitura, em particular da leitura de literatura, partilhada em comunidade. A docente e investigadora na área da formação de leitores explica que a investigação tem vindo a demonstrar as potencialidades formativas e transformadoras inerentes a práticas de leitura vividas no âmbito de comunidades leitoras. É nesse sentido que considera que o clube “pode ser um lugar para os estudantes cultivarem a alegria de saber, de se autodescobrirem como pessoas, como futuros profissionais, de alargarem, portanto, os seus conhecimentos sobre si e sobre o mundo e de aprenderem a pensar também a partir da perspetiva do outro, um lugar que estimula a construção de um estudante do ensino superior que seja um leitor sensível, esclarecido e comprometido com a construção de um mundo mais justo, igualitário e belo”.

Sobre os participantes que se reúnem na ESECS, Maria José Gamboa refere tratar-se de um grupo pequeno, onde se partilha o gosto pela leitura e se segue uma “linha pensada para discutir os livros”. Cada estudante tem um caderno de leitura, onde “regista as suas impressões”. Para a docente “toda esta dinâmica assenta num clima seguro de participação livre, sem medos de verbalizar perspetivas. Num clube de leitura não há respostas erradas. Cada participação, cada sentido partilhado é um contributo valioso para uma construção coletiva de significados”.

Mesmo sendo recente, a iniciativa tem recebido bom retorno: “Temos registado sorrisos, algumas gargalhadas, rostos espantados e outros tantos mais desassossegados”. A docente refere ler estes gestos “como indícios de forte envolvimento no clube e de uma progressiva tomada de consciência da importância da leitura e em particular da leitura literária nas suas vidas”.

Rute Lopes, de 23 anos, estudante do 2.º ano do Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico, descreve o ambiente como “harmonioso, de segurança, confortável e de abertura total”. A “leitura realizada por personagens e os debates da escolha do livro” são as suas dinâmicas preferidas no projeto. Soube da existência do clube pela sua professora e decidiu juntar-se, pois já gostava de ler nos tempos livres, mas queria “experimentar partilhar sentimentos e pensamentos” acerca dos livros que lê. Mariana Oliveira, de 23 anos, mestranda do mesmo curso, admite que não lia muito no seu dia a dia antes de se juntar ao clube, mas sentia a necessidade de começar a “ler por prazer”. “É um momento de hobby e nesta vida de universitário são poucos os momentos destinados para os hobbies”, explica a participante do clube. Mariana César, de 25 anos, estudante do 2.º ano do Mestrado em Educação Pré- Escolar, também conheceu o clube através da sua professora. Antes de se juntar já nutria um gosto pela leitura e aprecia as sessões por causa da partilha de opiniões e perspetivas e por ser um “momento de distração”.

O projeto envolve outras atividades em torno dos livros, como dramatizações, roteiros culturais e exposições, como a leitura encenada da obra Corpo-delito na sala de espelhos, de José Cardoso Pires, que decorreu em outubro no Museu Nacional Resistência e Liberdade, em Peniche, realizada pelos estudantes de 2.º ano do curso de Teatro, da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha.

Online também se discutem livros

Com uma oferta diferente dos clubes de leitura presenciais, existem também os clubes online. O clube ATUALEITURA, da associação ATUAAÇÃO de Rio Maior, tem reuniões digitais que são abertas a pessoas de todos os géneros e idades. A iniciativa surgiu em outubro de 2019, pela importância da leitura, uma atividade “por vezes negligenciada”, explica Maria Alves, da organização. Este clube pretende “promover hábitos de leitura junto da população e unir pessoas de todo o país e de fora”, além de criar um espaço seguro e casual para as pessoas falarem de “tudo o que gostem”, acrescenta.

Com foco inicial em Rio Maior, a pandemia em 2020 levou a que usassem outros métodos para manterem o clube ativo. Com cerca de 300 pessoas atualmente inscritas, as reuniões ocorrem uma vez por mês através da plataforma Discord, em que, mensalmente, é definido um tema geral por votação. Os participantes, além das sessões, têm o canal digital onde conseguem comunicar, mas também combinam, entre si, “leituras conjuntas ou idas ao cinema e a feiras do livro”, explica Maria Alves. A responsável acrescenta que a organização tenta escolher obras que sejam acessíveis a todos, em qualquer livraria, biblioteca ou lojas em segunda mão. O clube é bastante flexível e ninguém é obrigado a aparecer em todas as sessões ou a ler a obra por completo até à data da reunião, já que consideram que cada pessoa tem o seu ritmo de leitura. A dinamizadora acredita que os participantes saem das suas zonas de conforto ao ler obras mais diversificadas e que também têm oportunidade de conhecer pessoas novas, de “diferentes backgrounds”, de diferentes idades e áreas profissionais.

Para lá do grupo habitual, a organização convida frequentemente escritores a participarem nas sessões, de modo a que os membros conversem diretamente com eles sobre os livros. Além das reuniões online, organizam duas a três atividades presenciais para juntarem fisicamente a comunidade leitora.

Alexandra Vaz, de 22 anos, ficou a conhecer o clube pelo Instagram e juntou-se porque a literatura é a sua maior paixão e, sendo o clube “bastante dinâmico, é um lugar seguro” onde pode partilhar as suas opiniões. Considera que, ali, existe um “sentido não só de comunidade, mas também de família” e acredita que as sessões com autores são “algo extraordinário”, que deve ser reconhecido por todos os membros. Outro dos integrantes do grupo é António Vicente, de 23 anos. Já tinha o gosto e o hábito de ler, mas achou que entrar neste clube seria uma excelente forma para conhecer mais pessoas “com a mesma paixão”. Ana Silva, de 33 anos, acha as iniciativas do clube diferenciadas e interessantes e o que mais gosta é de poder dar a sua opinião sem se sentir julgada, mas principalmente de “ouvir a dos outros”, tomando conhecimento de novas perspetivas.

Desde a partilha de ideias, acompanhada de chá e bolinhos, na livraria Arquivo, passando pelo ambiente mais jovem de A Sociedade das Raposas e do Página 1, até ao contexto digital, mas familiar, do ATUALEITURA, os clubes de leitura mostram-se ativos na região e no país no seu papel de promover o gosto pela literatura e o fortalecimento do ambiente comunitário. Será mesmo verdade que ler está fora de moda?

Texto: Carolina Gonçalves | Daniela Rodrigues | Diana Monteiro | Raquel Filipe
Fotos Clubes de Leitura Livraria Arquivo e A Sociedade das Raposas: Carolina Gonçalves | Daniela Rodrigues | Diana Monteiro | Raquel Filipe
Foto Clube de Leitura Página 1: Catarina Menezes
Foto de capa: Alexis Brown | Unsplash