Insistência na reflexão
O mundo digital já tinha obrigado os jornalistas a estarem sempre ligados, algo que a pandemia acentuou em determinadas áreas que normalmente não mereciam tanta atenção. Mas a principal conclusão que se retira deste período de crise sanitária consiste, como nota Anselmo Crespo, na progressiva diminuição do tempo de reflexão para escrever uma peça jornalística, cruzar e confirmar testemunhos, aprofundar outras fontes e assuntos. “Isso somado à escassez de recursos humanos nas redações, torna tudo ainda mais difícil. Como é que isso se resolve? Quando as pessoas perceberem que a informação é essencial em democracia. E que tem que ser paga”, sustenta o subdiretor da TSF.
Carlos Almeida defende, por outro lado, que não só o processo jornalístico mudou como também a realidade reportada, isto é, o objeto das suas narrativas. E acrescenta que se tornou evidente que informar é uma tarefa dependente e em estreita ligação com uma preparação ética que extravasa a mera publicitação de factos.
“As fontes mudaram, a qualidade da informação também. Não só foi mais difícil obter informação sobre uma nova realidade, como se tornou necessário estar bem ciente da necessidade de seguir códigos deontológicos associados à profissão, para não ceder à pressão do medo e da emotividade, própria destes contextos”, refere o jornalista do Região de Leiria.
A questão da componente ética e deontológica adquire, de facto, pertinência no momento em que o público parece cada vez mais colocar a questão da velocidade noticiosa no mesmo patamar da qualidade da informação reportada. Mesmo se uma franja relevante de leitores considera o imediatismo um valor hegemónico, Jacinto Silva Duro garante que outros tantos segmentos de público querem “temas bem tratados, bem escritos, bem verificados, bem interpretados e bem contextualizados”. No fundo, “querem saber mais do que o primeiro impacto”, querem “coisas com as quais se identifiquem, querem ler histórias de pessoas”.
Este tipo de audiência mais exigente coabita, efetivamente, com uma outra mais orientada pela velocidade do online, que “não lê ou deturpa o que lê, quando lê, ou que nem sequer sabe que o que lhes aparece no feed do Facebook, LinkedIn, Twitter ou Instagram”, afirma Jacinto Silva Duro, acrescentando: “A preguiça intelectual, num tempo de tanta informação, é uma constante”.
Uma outra perspetiva que combina duas realidades, a do jornalista profissional e a do jornalista cidadão, é a que mais chama a atenção da correspondente da agência Lusa. Para Ana Neves, os jornalistas não só têm de reportar a aplicação de medidas restritivas do ponto de vista social e sanitário, como têm de as cumprir. “Os jornalistas estão a viver esta crise sanitária e económica num duplo papel: enquanto profissionais e enquanto cidadãos. Diria que o principal desafio reside aí. Mesmo que tentemos ‘desligar’, por vezes é difícil exatamente por esta dualidade de papéis”, comenta a jornalista responsável pela cobertura de assuntos europeus.
No final, ficam as marcas de um tempo singular, quer do ponto de vista pessoal como profissional. “Experiência única”, “admirável telemundo novo”, “semelhante aos incêndios de 2017” ou “muito desafiante e gratificante” são algumas das expressões utilizadas para definir a experiência de um jornalista em tempo de pandemia.
Texto: Liane Reis | Tânia Ferreira
Fotos: The Climate Reality Project | AbsolutVision | Austin Distel | Headway | Unsplash