O balanço em tempos de pandemia não é igual para todos. Se uns reconhecem perdas, para outros o contexto veio lembrar a importância do atendimento diferenciado e personalizado. Espaços históricos que não desistem e procuram novas possibilidades para negócios antigos.
A torre sineira, separada da Sé por escassos metros, toca. Na rua circulam rostos que, escondidos sob as máscaras, são reconhecidos pelo olhar de quem lá passa, dos comerciantes aos transeuntes. Os que lá moram, já poucos, cumprimentam-se no seu quotidiano sem pressas. O comércio local quase parece um espetador que observa as calçadas que vão da Sé ao Terreiro.
É variada a oferta de grandes espaços comerciais na cidade, muitas vezes mais cómodos do que a alternativa de percorrer ruas de calçada, sujeitas à escassa e difícil oferta de estacionamento, além do impacto provocado pelas estações do ano. Frio, chuva, calor ou vento. Mas as condições climatéricas são para muitos uma boa desculpa para ir à descoberta de comércios singulares. São lojas que existem há largos anos e, embora tenham assistido a várias situações de crise financeira, nunca fecharam as portas.
No centro histórico de Leiria, as ruelas estão enfeitadas com artefactos e sonoridades natalícias. Mas são músicas diferentes aquelas que Manuel Ferreira, proprietário da Garrafeira Ferreira, costuma tocar. Aos 83 anos, é músico nos tempos livres e a prática dessa atividade reflete-se no seu espaço comercial. Ainda antes de evoluir para garrafeira, nascia em 1966 a Mercearia Ferreira, um lugar que satisfazia os clientes da época com produtos essenciais para o consumo diário de quem vivia nas redondezas.
O surgimento de grandes superfícies de venda destes produtos levou Manuel a introduzir artigos de duas áreas que lhe são muito próximas, a enologia e a música. “Temos aqui garrafas de colheitas de 1937 e temos outras garrafas que não são fáceis de encontrar no mercado, como por exemplo o poncho”, sublinha.
Num ambiente diversificado e invulgar, são as garrafas de centenas de formatos, cheiros e sabores que melhor caracterizam a peculiar Garrafeira Ferreira. Os instrumentos musicais contribuem para lhe conferir um toque harmonioso.
Este octogenário, que ainda ensina acordeão, órgão ou cavaquinho a quem gentilmente o procurar, sente-se acarinhado por quem ali o encontra. Em tempos de crise sanitária, admite que o negócio está mal. “As pessoas têm menos dinheiro”, afirma. Mas, apesar da diminuição das vendas e da circulação de pessoas, reconhece a importância do seu espaço: “Certas pessoas vêm aqui porque sabem que vendo instrumentos. Aluguei a casa que tinha com este tipo de artigos e trouxe-os para aqui”. A Garrafeira Ferreira não vive somente de vendas, também de cultura. A música.